Banhos de cachoeira e outros poemas
Natal, RN 20 de abr 2024

Banhos de cachoeira e outros poemas

22 de junho de 2022
3min
Banhos de cachoeira e outros poemas

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Esse texto é só para pessoas que já se sentiram infelizes. E digo, por primeiro, não há obrigação alguma em ser feliz. Portanto, pessoas infelizes, não se entristeçam com sua infelicidade. Estar infeliz não é o mesmo que estar triste. Estar infeliz é ocupar, sobretudo, um lugar de inquietação, inconformidade, incredulidade. É dançar junto, no silêncio da noite, com o anjo da insônia. É, enquanto imagina-se que todos dormem, por-se a refletir sobre coisas inúteis como o que alguém, naquele exato momento, está fazendo em Jaboatão da Serra? Quantas pessoas no mundo estão, nesse exato momento, nascendo? E quantas estão morrendo?

Estar infeliz é não conseguir deixar de se preocupar com os fatos da vida: o desmatamento da Amazônia; o garimpo predatório; a morte dos nossos povos originários ainda recônditos e do assassinato de Bruno e Dom; o aumento da gasolina; o semáforo roubado na Bernardo Vieira; a moça que é espancada no trabalho por um colega, filmam tudo, e ele não é preso. É sentir falta daquela luz de fim de tarde, no quintal de casa, quando dava para ver o sol deslizando lentamente, e sumindo por entre a moldura dos cílios, até ser só uma lembrança alaranjada do dia que passou.

Estar infeliz é tantas outras coisas.

Como estar no caminho de saber e, de repente, nada parece fazer sentido. Estar infeliz é, perceber de algum jeito, que estamos sempre em modos de espera. Quando crianças, esperamos crescer. Quando adultos, esperamos envelhecer. Quando velhos, esperamos morrer. E, nessa demasiada espera, esquecemo-nos do quão era bom brincar e encontrar as pistas espalhadas pela vida. Um exercício muito mais instigante do que ter a ilusão de encontrar a verdade. Essa coisa que só cabe na boca de deus. Essa boca que só nos fala por meio de funduras, ventos, tempestades e, sobretudo, de silêncio. A verdade mais profunda é um poço infinito, capaz de atravessar o mundo de um lado a outro. E o máximo que podemos alcançar dela é um pequeno eco inaudível, que se assemelha ao som do tambor vivo que bate  dentro de nossa caixa torácica. 

Acho que encontrei uma outra coisa de estar infeliz: ser mal com o outro, intolerante, desrespeitoso, incisivo, crítico; porque uma das formas de estarmos infelizes é quando não conseguimos nos amar e, se não nos amamos com tranquilidade, não conseguimos enxergar com isenção, ou delicadeza, as falhas do outro. Fulano parece tão feliz nas redes sociais. Olha esse sorriso, olha essa roupa, olha esse vinho, olha esse cachorro, olha essa viagem, olha essa piscina, olha essa falsa felicidade! Então, se é falsa, para que se importar? Deixa ele ser falso feliz do jeito dele. Esse é o pior jeito de se encontrar com a infelicidade. Aquela pessoa que, na incapacidade de abraçar-se a si mesma; de tolerar as próprias falhas e de conviver com seus vazios, ocupa-se em apontar os erros dos outros como um troféu. O tropeço do outro torna-se um pódio. Talvez essa pessoa não esteja infeliz. Talvez ela seja infeliz, e aí é outra coisa, que requereria, pílulas para constipação, banhos de cachoeira e poemas.

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