Mesmo em tempos líquidos, segundo Bauman, e também de cinismo e ódio espalhados em redes sociais, percebo a existência, paradoxalmente, de uma fome de amor. Mais até que isso; vejo uma glorificação do conceito de amor (romântico, parental, espiritual, ou seja, o Eros, Filéos e Ágape gregos mesmo) exagerada, bem mais além do que poderíamos imaginar em um período tão turbulento. Ou, justamente por isso. Quem sou eu para criticar o amor, ou desejo dele, mas… vamos com calma com o andor que nem tudo é o que parece ser.
Quando eu já tinha esse texto na cabeça li no Twitter do ex-presidente e candidato Lula a seguinte postagem: “O Brasil é o país do amor, da concórdia. Não da discórdia. Nosso país precisa de paz para crescer”. Certo, Lula, que estamos em campanha e com um genocida miliciano como antagonista, é o adequado a se dizer. Mas, não é bem assim. O Brasil nunca foi o país do amor. Sempre foi o país que segrega pretos, após séculos tendo escravizando-os, que mais mata LGBTQIA+, o que mais registra casos de feminicídio. Nosso país sempre foi repleto de ódio, elitismo e hipocrisia.
Porém, este texto não é para pegar no pé de Lula, que, repito, tem mais é que postar sobre amor mesmo. Recordei debates que tive muitas vezes com amigxs LGBTQIA+ (incluso aí a filha Ananda) sobre postagens na qual cobram “amor”. Cobrar amor de homens héteros cis que não amam os próprios filhos (nem pagam pensão) e muito menos as mulheres com quem são casados ou namoram? Utopia das maiores. A cobrança deve ser por tolerância, respeito, educação básica. Que nem tentem cobrar “amor” de quem provavelmente nem sabe o que é isso.
O que me remete, e sei que vou levar pedradas pela crítica, a frases lindas, mas, igualmente utópicas: ”Mais amor por favor”. A reedição do “Faça amor, não faça a guerra”. Não funciona assim no chamado “mundo real”. Ninguém vai dar amor ao “próximo” porque ele está pedindo educadamente, da mesma forma que quem ama e ganha com a guerra não tem o menor interesse em fazer amor, possivelmente sequer em fazer sexo, ainda que rápido e fortuito, se for o caso.
O amor é um conceito, não está incluso no bem estar coletivo, em uma ideia de bem estar social. O que precisamos no Brasil hoje, que existe nos países onde admiramos em memes e textos edificantes de zap, é de tolerância, diversidade, respeito às leis, como na Suécia, na Noruega, na Islândia, Canadá etc. Lugares onde o amor não é a regra coletiva, mas uma mulher pode andar do bar até sua casa pela rua de madrugada sem ser estuprada ou importunada. Não precisa ser amada, esqueça o amor. Basta ser respeitada.
Aqui no Brasil de Bolsonaro, um cidadão não dispara três tiros de revólver no outro por causa de uma briga besta por “falta de amor”. Ele é o faz pela certeza da impunidade, pela masculinidade tóxica. O outro não mata a ex-esposa por “falta de amor”, isso ele não tinha há tempos, se é que alguma vez o teve. Ele o faz pela sensação de posse, pelo machismo e misoginia.
Em pleno 2022 ainda vivemos sob um manto do “amor romântico”, na verdade, uma invenção medieval. Na história de Romeu e Julieta, eternizada pelo dramaturgo inglês William Shakespeare como o ideal do amor, temos dois suicídios e quatro assassinatos em três dias de trama. Uma pessoa querida evita o termo “amor” e mesmo o correlato “paixão” para enfatizar o conceito dos “afetos” predicados pelo filósofo holandês-lusitano Baruch Spinoza. Uma outra pessoa querida sempre me disse que vê as relações humanas como ”cooperativas” e assim tocou um casamento bem sucedido e a criação das duas filhas, hoje adultas. O “amor” enquanto algo vago e conceitual não ajuda em nada a manter uma relação, comprar imóveis a dois, fazer uma viagem ou manter relacionamentos saudáveis com os filhos.
É feio e grosseiro, mas, podemos esquecer um pouco o amor e focarmos, coletivamente, em derrubar o fascismo e colocar no poder um projeto democrático. E, individualmente, em buscarmos de quem nos cerca, respeito, tolerância e justiça. A partir disso, construir relações formadas em bases sólidas. O amor, ah, se vier, será bem vindo. Como consequência, não como meta. Sigamos.