CIDADANIA

Pacientes com ações na justiça temem perder cobertura com decisão do STJ sobre planos de saúde

Imagem: canva

Além de raiva, nos sentimos frágeis, porque é muito difícil lutar nesse país contra quem tem poder, quem tem dinheiro”, desabafa a mãe e enfermeira Ruth Maciel que mora em Natal (RN) e, apesar de ter conseguido na justiça obrigar o plano de saúde a fornecer tratamento para a filha de apenas seis meses que tem uma doença de pele rara, até agora, não viu a medida judicial ser cumprida.

Minha filha uma deficiência de colágeno que faz com que ela precise de coberturas e curativos de alto custo. O tratamento tem um custo médio de R$ 50 mil por mês, sem contar com o CBD [canabidiol] para dor e inflamações porque ela tem lesões diárias. Conseguimos no mês passado uma liminar que obriga o plano de saúde a cobrir o tratamento, mesmo assim eles já não vinham fornecendo nem 30% do que foi prescrito. Vínhamos recebendo doações de Ongs e pessoas com a mesma patologia que muitas vezes nem têm condições, mas acabam ajudando por solidariedade. Já nos desfizemos de bens materiais nesse processo“, denuncia Ruth, que com a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que desobriga os planos de saúde de cobrirem procedimentos que não constem na lista da Agência Nacional de Saúde (ANS), ficou ainda mais preocupada com a possível falta de assistência para o tratamento da filha.

Pela decisão do STJ do último dia 08, o rol de procedimentos da ANS deixa de ser apenas exemplificativo, ou seja, representar a cobertura mínima a ser oferecida pelos planos, para se tornar taxativo, o que limita a cobertura obrigatória apenas ao que constar na lista. Com isso, exames, terapias, procedimentos e fornecimento de medicamentos de alto custo são colocados em risco.

A decisão do STJ não é obrigatória, mas abre uma jurisprudência contrária ao que vinha sendo praticada pelos tribunais de todo o país, que entendiam que a lista da ANS era apenas exemplificativa.

É uma jurisprudência muito grande e os planos vão usar como brecha para derrubar a liminar, com certeza vão recorrer e é pedir a Deus que não consigam! É muito triste isso tudo, passo o dia preocupada. Se você pesquisar sobre a patologia da minha filha, só vai encontrar coisas tristes, um futuro sombrio, que se junta a essas incertezas. Ela tem a pele frágil, requer muito cuidado, é uma borboleta. Sou mãe de primeira viagem, a maternidade é algo novo pra mim e além das questões relacionadas ao cuidado com a minha filha, ainda tenho que lidar com isso”, lamenta Ruth.

Entre as coberturas que não estão previstas na lista da ANS está o tratamento para o autismo. Teresa, mãe de um menino de sete anos, foi uma das primeiras pessoas no Rio Grande do Norte a conseguir na justiça a cobertura do plano de saúde para o tratamento do filho, ainda em 2016.

Eu estou com meu direito garantido, eles não têm mais como recorrer, é uma decisão transitada em julgado. Mas, quero que as mães e crianças que foram diagnosticadas depois dessa decisão também tenham o mesmo direito”, defende Teresa Oliveira, servidora pública.

Teresa não sabe ao certo quanto custaria o tratamento do filho, mas avalia que ficaria em torno de R$ 15 mil por mês, valor que ela não teria condições de cobrir. Para encorajar as demais famílias a não desistirem de entrar na justiça em busca de tratamento, ela lembra que a decisão do STJ não é obrigatória.

A decisão do STJ não é vinculativa, ou seja, os magistrados podem dar o direito ao tratamento. Essa foi uma resposta a uma demanda da Unimed Campinas que entrou na justiça, não é para todo mundo. Apesar de servir de tendência, não é obrigatória”, ressalta Teresa, que fez uma postagem nas redes sociais sobre o assunto.

De acordo com o advogado Victor Monteiro, especialista em ações na área da saúde, apesar da decisão do STJ não ser obrigatória, deve influenciar, principalmente, as decisões em instâncias inferiores. Confira na entrevista que fizemos com ele:

Agência Saiba Mais – Na prática, o que representa essa mudança para quem tem plano de saúde?

Victor Monteiro, advogado – Seguindo o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta última quarta-feira (8), as operadoras de planos de saúde não serão obrigadas, em regra, a cobrir tratamentos que não estejam previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Ou seja, os planos de saúde não estão obrigados a custear um tratamento médico que esteja fora dessa lista da ANS. Essa situação, na prática, já ocorre, contudo, costumava-se obter a ampliação desse rol para a cobertura de tratamentos médicos por meio de decisões judiciais, em diversos casos.

Antes, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) divergia sobre o assunto. Com esse julgado recente, que tem por finalidade, justamente, uniformizar a jurisprudência interna do Tribunal, restou firmada a tese de que esse rol é taxativo, com exceções.

ASM – Qual a diferença do taxativo para exemplificativo?

VM – Em Direito, o que se institui como taxativo é tudo aquilo que está determinado de forma expressa, restritiva. Portanto, quando o STJ decide que o rol da ANS é, em regra, taxativo, quer dizer que somente os tratamentos previstos na referida lista serão de observância obrigatória pelas operadoras de plano ou seguro de saúde, não permitindo ampliações. Esse significado é diametralmente oposto ao exemplificativo, cujo sentido remete a previsões que são meros exemplos, podendo ser ampliados, dando possibilidade à interpretação extensiva.

ASM – Que tipo de serviço atendido hoje pode ser cortado?

VM – Tratamentos que não estejam previstos no Rol de Saúde Complementar da ANS e não abarcados em contratos com cobertura ampliada. Um exemplo muito comum é o tratamento para crianças autistas com base no método ABA. Contudo, é importante ressaltar que a decisão do STJ não afeta, a princípio, situações jurídicas já consolidadas e todo caso deve ser observado conforme às suas particularidades de fato e de direito.

ASM – Pais e mães ainda podem recorrer à justiça, apesar da decisão?

VM – Podem. A decisão do STJ, nesse caso, não possui eficácia vinculante, contudo, possui força persuasiva e deve guiar as instâncias inferiores. Consequentemente, ficam diminuídas as chances de sucesso em casos semelhantes, se a intenção for ampliar o rol da ANS para a cobertura de tratamento médico por planos de saúde, mas isso não afasta, em hipótese alguma, o direito de ação.

Além disso, segundo a tese firmada pelo STJ, é possível a ampliação em casos excepcionais, quando não houver substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol, desde que satisfeitos determinados requisitos. Nesses casos, recomenda-se sempre uma consulta jurídica especializada.

Teresa Oliveira criticou a decisão do STJ em suas redes sociais
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