DEMOCRACIA

Pesquisa sobre Amélia Gomes Reginaldo fala sobre a invisibilidade das mulheres na História

Amélia Gomes Reginaldo. Mais uma invisibilidade da nossa história oficial? Se depender da professora Aluizia do Nascimento Freire, não. Como historiadora, ela tem dedicado suas pesquisas e produções acadêmicas à atuação das mulheres em momentos cruciais da história do país. Um desses episódios foi a insurreição de novembro de 1935, em que pouco se conhece o papel destacado das mulheres.

Durante a pesquisa sobre o levante do 21º Batalhão de Caçadores, na capital potiguar, Aluizia teve acesso à família da mossoroenese Amélia Gomes, quando tomou conhecimento “que algumas mulheres invadiram o quartel, se fardaram e pegaram em armas. Conforme registros do acervo público do nosso estado, percebemos a atuação marcante de Amélia na Insurreição Comunista, todas as mulheres interrogadas se filiaram a União Feminina do Brasil (UFB), órgão mantido pelo Socorro Vermelho Internacional, através de Amélia Gomes Reginaldo”, revela a historiadora.

Amélia Gomes Reginaldo

Filha de Raimundo Reginaldo e Luzia Gomes dos Santos, Amélia Gomes Reginaldo nasceu em 23 de junho de 1917, na cidade de Mossoró. Ela cresceu na efervescência e amadurecimento orgânico dos grupos comunistas no Brasil, e teve grande influência do pai em sua formação marxista-leninista.

Para a professora, o que me mais “chamou a atenção foi a falta de documentos” sobre Amélia, “bastante mencionada nos pelas depoentes”. Isso porque, apesar de história ser um vocábulo feminino, sua escrita e narrativa reservam pouco espaço para a atuação das mulheres nos movimentos de contestação e mobilizações. Nos livros e salas de aula, os heróis nacionais são quase que exclusivamente homens, na sua maioria brancos e ligados aos setores dominantes da sociedade.

Uma invisibilidade que, segundo a filósofa e feminista Simone de Beauvoir, na sua obra clássica O Segundo Sexo, deve-se, entre outros, ao fato de “toda a História das mulheres ter sido escrita pelos homens”.

Por isso, Aluizia diz ter dedicado seus estudos e produções acadêmicas à temática. “Dei início com o TCC sobre a participação das mulheres na Insurreição Comunista em 1935, enfatizando o papel delas e destacando a importância da mulher mais citada nos documentos do Arquivo Público do Estado. No meu Mestrado eu enfatizo as Mulheres na Política, em Natal/ RN, em que questiono porque somos minorias nos espaços de poder, assim como, no meu Doutorado, enfatizo também a participação das mulheres na política em Natal e no RN”, revela.

Sobre a Insurreição Comunista de 1935

Embora liderada pelos comunistas, a mobilização faz parte de um movimento amplo, a Aliança Nacional Libertadora (ALN), que, no enfrentamento ao fascismo crescente em território brasileiro, conseguiu congregar os mais diversos setores da sociedade e rapidamente tornou-se um movimento de massas.

Muitos militares, católicos, socialistas, sindicalistas, estudantes e liberais, contrários ao rumo do processo político iniciado em 1930, quando Getúlio Vargas, pela força das armas, assumiu a presidência da República, aderiram ao movimento.

Com sedes espalhadas em diversas cidades do país e contando com a adesão de milhares de simpatizantes, em julho de 1935, apenas alguns meses após sua criação, a ANL foi posta na ilegalidade. Ainda que a dificuldade para mobilizar adeptos tenha aumentado, mesmo na ilegalidade a ANL continuou realizando comícios e divulgando boletins contra o governo. Em agosto, a organização intensificou os preparativos para um movimento armado com o objetivo de derrubar Vargas do poder e instalar um governo popular chefiado por Luís Carlos Prestes. Iniciado com levantes militares em várias regiões, o movimento deveria contar com o apoio do operariado, que desencadearia greves em todo o território nacional.

O primeiro levante militar foi deflagrado no dia 23 de novembro de 1935, na cidade de Natal. No dia seguinte, outra sublevação militar ocorreu em Recife. No dia 27, a revolta eclodiu no Rio de Janeiro.

Experiência em Natal

Na capital do Estado do Rio Grande do Norte, no dia 23 de novembro de 1935, o movimento comunista vivenciou pela primeira vez na história a experiência de governo, após o levante militar ocorrido no 21º Batalhão do Exército.

Foram quatro dias sob o governo revolucionário, batizado de Comitê Popular Revolucionário. O sapateiro José Praxedes foi nomeado secretário do Abastecimento; o diretor do presídio de Natal, Lauro Lago, secretário do Interior e Justiça; o funcionário do Liceu Ateneu, João Galvão, secretário da Viação; o sargento Quintino de Barros, secretário da Defesa; e o tesoureiro dos correios, José Macedo, secretário das Finanças.

O governo recém-formado providenciou a formação de três colunas de combatentes. A expectativa era de que a revolução pudesse ser estendida ao restante do Estado. A primeira coluna deveria seguir em direção a Mossoró; a segunda, até a divisa do Rio Grande do Norte com a Paraíba; e a última, para a cidade de Goianinha. Os revolucionários conseguiram ocupar, ainda, 17 dos 41 municípios do Estado, e entregaram quando possível o poder a figuras locais ligadas a Aliança Nacional Libertadora (ANL).

Em um gesto memorável, exatos três dias passados da tomada do poder, publicou o único jornal daquele governo. A liberdade, título do periódico, explicava o programa revolucionário: amplas liberdades democráticas, reforma agrária, incentivo à industrialização, trabalho para todos, aumento dos salários dos trabalhadores rurais e urbanos, democratização do ensino e da cultura, nacionalização de bancos e empresas estrangeiras, expulsão dos “imperialistas e seus lacaios” do país e não pagamento da dívida externa.

No dia 27 de novembro, o movimento foi derrotado. Cerca de mil pessoas foram indiciadas nos processos que trataram do levante potiguar de 1935. Com base nesses autos, é possível desvendar a composição social da insurreição. Em Natal, 45% dos indiciados eram militares, especialmente soldados, cabos e sargentos, mas nenhum oficial do Exército; 27%, operários, sobretudo estivadores; 11%, profissionais liberais; 11%, trabalhadores urbanos de condição modesta, como alfaiates, padeiros, barbeiros, sapateiros e comerciários. No interior, 24% dos indiciados eram trabalhadores rurais; outros 24% eram profissionais liberais; 16% eram trabalhadores urbanos; e 15%, operários.

José Praxedes de Andrade, sapateiro de profissão, que veio do Rio de Janeiro, de navio, com instruções de esperar o sinal do levante, que seria dado por Prestes. Escapou das mãos da repressão e viveu 49 anos de clandestinidade sob o nome de Eduardo Pereira da Silva. Nem sua mulher tinha conhecimento da sua identidade.

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