RN tem primeira chapa do Brasil com deficiente visual em disputa por cargo eletivo
Natal, RN 20 de abr 2024

RN tem primeira chapa do Brasil com deficiente visual em disputa por cargo eletivo

1 de agosto de 2022
7min
RN tem primeira chapa do Brasil com deficiente visual em disputa por cargo eletivo

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Ronaldo Tavares não enxerga nada. Ele perdeu 100% da visão depois de ter sarampo, aos 03 anos de idade. Interessado por esporte, Tavares foi jogador de futebol de salão para pessoas com deficiência visual durante 11 anos e jogou em times do Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Inquieto e interessado em questões sociais, também se dedicou a uma série de atividades que já somam 37 anos de militância, das quais só se afastou para se dedicar à campanha eleitoral de 2022, na qual concorre como vice na chapa do Psol para o Governo do Estado. A chapa é a primeira do Brasil a trazer um deficiente visual concorrendo a um cargo majoritário nas eleições.

Isso é algo inédito no Brasil, pioneiro, extraordinário! Com esse convite, o Psol mostra o que é inclusão na prática. Temos apenas uma vereadora em São Paulo que é cadeirante. Mas, nesse caso, ela não é deficiente visual, ”, aponta.

Formado em radialismo, Ronaldo Tavares começou a trabalhar na Emissora de Educação Rural de Natal, mais conhecida como Rádio Rural, em 1989, através do Padre Sabino, sempre com conteúdos voltados para o jornalismo. Talvez isso explique o fato de Ronaldo ter várias estatísticas decoradas e citá-las durante uma conversa ao telefone, sem maiores dificuldades. Segundo o candidato, o Rio Grande do Norte tem 27,78% de sua população de mais de três milhões de habitantes (3.214.581) com algum tipo de deficiência. Um quantitativo que fica, inclusive, acima da média nacional de 25%. Ao todo, são 880 mil potiguares e 52 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência.

Grande parte desse percentual é de pessoas com deficiência visual. São pessoas carentes de políticas públicas, inclusão social e ocupação de espaços na vida pública, de uma política cidadã”, avalia Tavares que, durante anos, foi presidente da Associação dos Cegos do Rio Grande do Norte, de onde se afastou apenas recentemente.

Com apenas 70 quilômetros de calçadas acessíveis, Natal dá um mau exemplo e tanto para outras cidades, apesar de ser a primeira capital do país a ter uma lei específica para eliminar barreiras arquitetônicas que impeçam pessoas com deficiência de circular livremente nos locais de fluxo de pedestres e edifícios de uso público, a Lei 4.090 de 1992. Assim como em muitas cidades do país, na capital potiguar a lei ficou no papel, já que por aqui predominam as calçadas irregulares e esburacadas, isso quando elas existem.

Temos apenas cinco botoeiras sonoras, 60% das escolas não são acessíveis, não há braille em repartições públicas ou programas com sintetizadores de voz. Não queremos muito, mas que nosso direito de ir e vir seja respeitado, que tenhamos o direito de desfrutar da nossa cidade e Estado, da orla, dos calçadões, dos cartões postais, do Teatro Alberto Maranhão, da Barreira do Inferno, do Cajueiro de Pirangi. Até sugeri um Manual de Turismo em braile e com escrita ampliada”, defende Ronaldo Tavares.

Braille em paradas de ônibus de Natal I Foto: divulgação STTU
Braille em paradas de ônibus de Natal I Foto: divulgação STTU

O candidato conta que não quer semear discórdia e planeja uma campanha propositiva. No entanto, explica não pode se esquivar de fazer algumas observações.

Temos cegos que nunca foram ao Parque das Dunas, ao Parque da Cidade ou a outras belezas, como a estátua de Santa Rita de Cássia. Não queremos semear discórdia, mas que o povo tenha a possibilidade de escolher e avaliar. Na prática, que tenham condições de transitar dentro de repartições livremente e sem obstáculos. Cadeirante para entrar na prefeitura [de Natal] tem que ser carregado nos braços e tenho certeza que não é só lá. As Centrais do Cidadão não têm intérprete de Libras. Defendemos não um departamento, mas a criação de uma Delegacia Especializada em Crimes Contra Pessoas com Deficiência, porque somos um alto contingente populacional. O preconceito ainda é muito grande! Primeiro tem que vir a conscientização, mas quando as atitudes são propositais, elas têm que ser combatidas na forma da lei. Somos idealizadores do cardápio em braile, a lei 6.638, tem que obrigada bares, restaurantes e similares a terem dois cardápios, sendo um em braile. Também criamos o Abril Marrom para prevenir cegueira, a reserva de vagas em restaurantes em bares e similares para que pessoas com algum tipo de deficiência tenham direito a reservar uma mesa com antecedência. Além disso, também ajudamos a criar a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência e Mobilidade Reduzida na Câmara Municipal de Natal, na época em que Sandro Pimentel era vereador, detalha.

Ronaldo Tavares, que chegou a concorrer a uma vaga na Câmara de Vereadores de Natal nas eleições de 2020 e já fez curso de administração pública, conta que desde a infância se interessa por política. Entre as propostas de sua chapa, está a criação de políticas que possibilitem a igualdade de oportunidades.

Ronaldo tavares, durante programa de rádio I Foto: cedida
Ronaldo Tavares, durante programa de rádio I Foto: cedida

Defendemos escolas acessíveis não só fisicamente, mas dotadas de tecnologia, profissionais capacitados no sistema Braille, em libras, que tenhamos intérpretes em repartições públicas, política habitacional e transformação da Coordenação Para Integração da Pessoa com Deficiência em Secretaria Especial de Inclusão Social Para Pessoa Com Deficiência, o que já existe em nível nacional. É preciso qualificação, destinar recursos para isso. Temos lei que obriga colocar pessoa com deficiência no mercado, mas não adianta sem programa de qualificação. Ainda somos muito invisíveis, o Psol quebrou um paradigma com esse convite de Danniel [Morais, presidente do Psol no RN e candidato ao Governo do estado], que foi visionário. Fico muito lisonjeado e espero que sirva de estímulo para demais companheiros. O partido tem demonstrado que respeita a diferença, é inclusivo e busca por igualdade numa sociedade excludente. É uma lição de democracia na prática”, analisa Tavares.

Independentemente do resultado, o candidato a vice na chapa do Psol ao Governo do Estado conta que já está satisfeito por ajudar a construir essa história.

Claro que queremos vencer, mas de toda forma, a história já está construída! Estamos sendo pioneiros e fazendo história ao mostrar para a Brasil que todos os segmentos têm que ter vez na política. Se avaliarmos, uma pessoa cega concorrer a cargo de vice, é muito especial! Não somos políticos profissionais, não vamos concorrer por ódio ou raiva, mas para apresentar propostas, projetos, inovações. Você só faz isso quando tem parcimônia, quer renovar, renascer. Não há salvador da pátria, sempre que confiaram nisso, o projeto afundou no Brasil e no mundo. Estamos aqui para construir com a população, os excluídos, as pessoas idosas, com deficiência, doenças raras, quilombolas, negros, menos favorecidos e excluídos. É para eles a nossa luta de minorar o sofrimento e as desigualdades, especialmente. Queremos um novo RN, onde as pessoas sintam prazer de morar, sintam o crescimento social, econômico, cultural, institucional e político", conclui Ronaldo, com um tom de voz forte e incansável.

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