Vamos ao debate. E ao riso!
Natal, RN 24 de abr 2024

Vamos ao debate. E ao riso!

30 de agosto de 2022
6min
Vamos ao debate. E ao riso!

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Eu até tentei. Programei-me para assistir ao primeiro debate dos presidenciáveis, sobretudo para recolher material para reflexão e análise de estratégias de argumentação e discutir depois com meus alunos e alunas. Mas simplesmente não consegui. Como diria um antigo professor de filosofia, não tenho mais fígado para aquilo. Nem estrutura psicológica. E antes que atribuam a mim a pecha de “alienada”, defendo-me afirmando que, por uma questão de saúde mental, fiz algo também importante, muito mais prazeroso e talvez mais “produtivo”, que foi dedicar-me às leituras do momento: os ótimos livros de Sidarta Ribeiro (“Sonho Manifesto”, em que discute a urgência de uma atitude para conter nossa marcha destrutiva diante de tanto lixo tóxico, neuroses atávicas, poluição mental e miséria comportamental) e de Eliane Brum (“Banzeiro Òkòtó”, em que, num estilo deslumbrante, aborda a questão da máxima importância: a Amazônia – que, aliás, como bem lembra a própria jornalista, não foi mencionada por nenhum dos candidatos ou candidatas).

Eu sabia também que, passeando pelas redes sociais no dia seguinte, eu prontamente seria informada sobre o debate e não carregaria a “culpa”, portanto, de ficar alheia ao que aconteceu (muitas vezes, não sinto culpa nenhuma por ficar alheia ao que acontece em certas instâncias). Quando quero, por exemplo, saber de algo, procuro logo a página pessoal do querido Tácito Costa, que considero um dos melhores jornalistas das terras potiguares (além do nosso querido editor Rafael Duarte, é claro! rsrs). E, querendo ou não, as notícias vêm até a gente nessa grande praça pública da internet. Assim, logo cedo, encontrei no perfil da Folha de São Paulo uma manchete que me chamou logo a atenção, já que pesquiso humor: “As redes sociais foram tomadas por memes durante as quase três horas do primeiro debate presidenciável deste ano, organizado por Folha, UOL, TVs Bandeirantes e Cultura. Mais do que simples brincadeiras e deboche, eles podem ser instrumentos de campanha, servir de termômetro à recepção do público e de seus nichos, alavancar a popularidade de candidatos ou mesmo desmoralizá-los”.

Essa chamada por si só já diz tudo sobre a importância do humor (e da reflexão sobre ele) como um reflexo de como funcionam as sociedades. Assim, com a ajuda de outra fera do jornalismo, o também compositor Roberto Homem, catei alguns exemplos que dizem tanto sobre aspectos regulares das práticas humorísticas, como também das práticas políticas. Vamos a alguns deles:


Figura 1: É um debate ou é um ringue de luta?

Esse primeiro exemplo faz uso de uma das técnicas mais usuais em humor, que é explorar duas cenas contrastantes. Além disso, talvez se possa dizer também que esse entrechoque de duas situações de expectativa (a dita “normal” e a dita “Twitter”) funcione aí como solo para um certo escárnio das aparentes marcas de civilidade (o que é de “bom tom” para um político debater) que seriam “desmascaradas” pelo comportamento efetivo e real dos espectadores (que são, também, tomados como objeto de riso). É de se indagar, então: o humor funciona, talvez, como panaceia diante da situação política do país?

Figura 2: “A economia tá bombando...” Jura?

Para achar esse exemplo engraçado, não basta ter um conjunto de conhecimentos prévios (saber que a rede de TV que veiculou o debate transmitia, anos atrás (ops!), o referido filme – Emmanuelle – de caráter erótico. O humor faz uso em demasia de conteúdos implícitos cuja “sacada” pelo interlocutor é o que vai gerar o riso, disso já se sabe. Mas, pode-se dizer, o efeito de riso terá mais força ainda quando a referência estabelecida, que rebaixa e desqualifica, é compartilhada. O meme diz, indiretamente, que o presidente mente e, por conseguinte, é indecente. Ao se manifestar como referência a um ethos negativo para o candidato, o exemplo faz surgir então a relação entre humor e posicionamentos ideológicos e partidários. O riso de zombaria aí é também um franco manifesto político.


Figura 2: Medo de ir tomar água de noite e encontrar...

Certamente, informações sobre a fala do candidato no debate (centrada na proposta de privatização generalizada) ajudam a “entender a piada”. Mas o mais importante aí é o recurso à intertextualidade, a partir de duas formas de paródia: Uma primeira baseada na memória de uma série de outros textos humorísticos com essa mesma estrutura sintática “Medo de ir tomar água de noite e encontrar...”; dentre tantos, cito apenas um exemplo, produzido durante a pandemia: “medo de ir tomar água de noite e encontrar uma live na geladeira”). Outra memória explorada na paródia seria a comparação com o personagem assustador de Zé do Caixão, tão sinistro como cômico.

Esses e outros tantos exemplos de textos humorísticos (memes, comentários, postagens etc.) sugerem várias pequenas teses, dentre as quais a de que em cada um de nós habita um humorista nato. Mas a tese da relação entre humor e acontecimento histórico me parece a mais evidente e importante. Daqui a alguns anos, para compreender os embates deste singular cenário político, certamente os historiadores do futuro vão se deter sobre esses textos de humor.
E olha que a temporada eleitoral está só começando...

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