A farsa do IDEB e pauta da educação na campanha eleitoral do RN
Natal, RN 29 de mar 2024

A farsa do IDEB e pauta da educação na campanha eleitoral do RN

27 de setembro de 2022
5min
A farsa do IDEB e pauta da educação na campanha eleitoral do RN

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Por Alessandro Augusto de Azevêdo e Rute Régis de Oliveira da Silva | professores da UFRN e compõem a coordenação do Fórum Estadual de Educação/RN

Nas últimas semanas a divulgação dos resultados do IDEB do RN pautou a disputa eleitoral fazendo com que a pauta da educação, até então bem pouco abordada, tenha sido objeto dos holofotes, em alguns casos, bem desonestos.

Os adversários do atual governo do RN se utilizaram dos dados sem se dar ao trabalho de fazerem uma análise qualitativa dos dados. Desconsideraram a opção da secretaria estadual de educação de, diferentemente de outras, não fazer a promoção automática dos estudantes no ano de 2021, o que é compreensível, dado que face às dificuldades evidentes, o processo de avaliação dos estudantes não poderia obedecer aos mesmos critérios de um período letivo normal, sem pandemia.

O Ideb é um indicador quantitativo, que pretende avaliar a qualidade da educação somando os dados relativos ao fluxo - as taxas de aprovação e a proficiência, que é a aprendizagem, considerando apenas dois componentes curriculares: língua portuguesa e matemática. Trata-se, pois, de um índice que desconsidera um conjunto de fatores que interferem diretamente na qualidade social da educação, entre eles os determinantes macroestruturais que tem um peso histórico na configuração dos resultados, como as desigualdades sociais, as quais, no caso do RN, sempre foram gritantes, em razão da opção das classes dominantes locais.

Pensar em uma educação de qualidade exige que se escape à leitura fria dos números. Eles nos ajudam, mas não dão o ponto final da discussão. Se entendemos que Educação é processo permanente de desenvolvimento cognitivo, afetivo, físico, cultural, estético e político de uma pessoa, então não podemos reduzir sua qualidade às notas que alguém obtém em Língua Portuguesa e Matemática. Se é verdade que são conhecimentos fundamentais, a maior ou menor apropriação não define a qualidade da educação, inclusive porque ela não acontece como resultado imediato das ações da escola, mas mediada em processos que envolvem, além da escola, os espaços extra-escolares (a família e os demais círculos sociais que os sujeitos vivenciam).

Educação não se reduz a garantir que alguém desenvolva a capacidade de decorar conteúdos aferíveis por escalas de notas, mas é, fundamentalmente, a oferta de respostas às grandes interrogações que as pessoas trazem à escola e que se concentram na esperança de um mundo em que as desigualdades sejam superadas, em que os preconceitos e as exclusões de toda ordem sejam suprimidas e que sejamos capazes de cuidarmos uns dos outros. E isso exige que o conhecimento escolar esteja fundado no permanente esclarecimento das condições socioculturais, políticas e econômicas que estruturam a existência dos estudantes, de suas famílias e de seus vizinhos.

A possibilidade de desenvolvermos uma educação com outra qualidade passa, em princípio, pelo cumprimento do que Estado e Sociedade pactuaram nos planos nacional, estadual e municipais. Este é o ponto de partida para qualquer avaliação, porque lá temos metas e estratégias definidas e pactuadas pelos operadores das políticas públicas, para todos os 167 municípios e para a rede pública estadual.

As aprovações dos planos se deram em um processo de debate, escuta e construção participativa dos vários segmentos da educação do RN (gestores, profissionais de educação, pais e estudantes), de acordo e respeitando a Constituição Federal de 1988, com vistas a organização de um Sistema Nacional de Educação.

Ocorre que em todos os níveis (União, Estado e Municípios), tivemos uma desconsideração dos planos, em favor da incorporação de institutos e organizações privadas (financiadas e associadas ao grande capital financeiro) como verdadeiros definidoras dos rumos das políticas educacionais, na medida em que invadem o espaço público com a oferta de plataformas, tecnologias e conteúdos comprometidos com a lógica de medição de saberes pelas provas, fragilizando, assim, os princípios do pluralismo de ideias, de concepções pedagógicas e a própria liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento e o saber.

Nesse processo eleitoral nada disso foi posto em questão, seja em debates, seja no (pouco) que foi divulgado em termos de programa de governo, seja pelos diversos segmentos educacionais do nosso Estado. Esse silêncio ou silenciamento em torno da pauta educacional é sintomático das dificuldades que temos em sensibilizar e formar fileiras em torno da efetivação de um processo colaborativo entre os diversos entes institucionais, no sentido da construção de pactos voltados à melhoria da qualidade social da educação dos potiguares.

É urgente que haja comprometimento por parte dos atuais governos municipais e do novo governo estadual (em conjunto com a nova composição do parlamento estadual) no sentido de se fazer uma repactuação das metas que não foram cumpridas, em face de dois anos de pandemia, que impossibilitou o acesso e permanência de crianças, jovens e adultos à educação escolar.

Essa repactuação pode ser pauta do novo governo (e do parlamento) a serem eleitos no próximo domingo, mas, já poderia ter sido objeto das preocupações dos atuais governantes municipais e estadual. As reações e respostas dadas ao que foi noticiado a respeito da colocação de nosso Estado no IDEB apenas reforça a necessidade de que a pauta da educação abandone as afirmações e defesas genéricas e se apresente como objeto de ações concretas, construídas por meio de um amplo processo de diálogo democrático entre as instâncias oficiais e a sociedade civil. Aí, sim, teremos os verdadeiros critérios para avaliação de nossa educação.

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