Dom Ciro, o cavaleiro da triste figura
Natal, RN 28 de mar 2024

Dom Ciro, o cavaleiro da triste figura

27 de setembro de 2022
5min
Dom Ciro, o cavaleiro da triste figura

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Cefas carvalho

Leio nas redes sociais que amigos, militantes e mesmos jornalistas defendem que nós, do campo progressista, não falemos mais em Ciro Gomes, candidato a presidente pelo PDT, pois ele já teria morrido politicamente. Discordo. Não que ache que Ciro terá uma sobrevida política após o desastre de sua campanha este ano. E sim que considero que o gênio incompreendido de Sobral merece uma atenção nos campos da análise política, sociológica, jornalística e atualmente psicanalítica.

Ciro merece atenção na semana final de campanha por uma razão concreta: apesar de estar definhando em peso eleitoral (gravita entre 5% e 8% quando em 2018 teve 12% dos votos) esta quantidade de votos seria mais que suficiente para garantir a vitória de Lula no primeiro turno, o que na conjuntura atual, é fundamental para a democracia, já que dificultaria ação por parte de Jair Bolsonaro de questionar a lisura das urnas eletrônicas e da eleição. Mas claro que o apoio explícito de Ciro a Lula (que não vai acontecer nem em um hipotético segundo turno, evidentemente) também não era garantia que 100% de seus eleitores votassem no petista. Da mesma maneira que mesmo com Ciro fustigando Lula diariamente, eleitores que lhe eram fiéis, anônimos e famosos (como Caetano Veloso e Tico Santa Cruz) perceberam a importância histórica do voto em Lula e já o declararam.

Mas o ex-ministro (de Itamar e de Lula, inclusive) e ex-governador do Ceará merece uma atenção pelo comportamento errático e estratégia equivocada de campanha de uns meses para cá. Quanto mais cai nas pesquisas, mais aumenta o tom, principalmente contra Lula. E estranhamente começou a poupar (para seu padrão de agressividade) Bolsonaro, o que levou jornalistas e mesmo eleitores históricos do PDT a se perguntar se Ciro não estaria flertando com o eleitorado conservador de Direita, que ainda está com Bolsonaro mas que ficará "órfão" a partir de 2023. Se for isso, uma aposta arriscada. Para imensa parcela do eleitorado de direita, Ciro é "de esquerda".

O que nos leva a mais uma análise sobre Ciro e sua campanha: nessa reta final, o pedetista se aproximou assustadoramente de símbolos, forma, postura e estética da extrema-direita. Como a entrevista concedida ao asqueroso Monark, que já defendeu o nazismo, entre outras barbaridades, em um podcast - Flow - assumidamente anti esquerda. Ou na veiculação (divulgada pelo próprio Ciro) de uma animação agressiva e grosseira com estética de deep web da extrema direita dos EUA comparando o humorista Gregório Divivier a Adrilles, outro comunicador de extrema-direita. Não é à toa que Gomes vem perdendo votos entre pedetistas históricos e eleitores moderados.

Contudo, há nuances freudianas que eu, leigo em Psicologia mas bom de pitacos de botequim, tento entender e analisar. Como, por exemplo, a autopercepção de Ciro tem (compartilhada como fato consumado pelos seus leitores mais fiéis) de que ele é o homem mais preparado, qualificado e inteligente para gerir o país e que é burrice do eleitorado não reconhecer um fato - para eles - tão óbvio. Cansei de debater com ciristas que argumentam: "Ah, Cefas, reconheça pelo menos que Ciro é o mais preparado e inteligente". Discordo totalmente. Para mim, e para quase 50%do eleitorado, segundo as pesquisas, preparado é quem sabe debater com diferentes sem ser agressivo; quem consegue juntar na mesma mesa pessoas que mal se falam e não se gostam em torno de uma causa em comum; quem consegue aglutinar, unir; quem coloca suas mágoas e rancores em uma gaveta emocional em prol de algo maior, uma nação, um povo. Isso, sim, é preparo e inteligência (emocional, que é a conta para a política).

Ciro há muito se perdeu em seus rancores e ressentimentos. É agressivo com qualquer um (ou uma) que lhe questione ou lhe coloque contra a parede. Teve tempo para compor com quem lhe era simpático (Marina Silva, Cristóvam Buarque, Joaquim Barbosa, Henrique Meirelles) e não o fez, tendo que assistir todos os citados apoiarem Lula. Na verdade, Gomes não gosta de fazer política. Não a faz. Alguém tem imagens e vídeos de Ciro nos estados dialogando com candidatos do seu PDT? Ciro tentou atrair partidos para seu projeto? Se sim, quais? Como foram os diálogos? Ciro visitou ONGs, associações? Veio ao RN dar um abraço e jantar na casa de Carlos Eduardo, candidato do partido ao Senado?

Na verdade, há muito Ciro é candidato de si mesmo. E só. Está se tornando um personagem, que bem poderia ganhar a alcunha do sonhador Dom Quixote, protagonista do romance clássico escrito pelo espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616), que tinha a alcunha de "o cavaleiro da triste figura". Esse título caberia como uma luva no gênio preparado do Ceará, que, inclusive, nesta campanha, implodiu a aliança entre PDT e PT que era bem sucedida há duas décadas, impôs seu candidato e está vendo o candidato petista liderar as pesquisas com apoio inclusive dos irmão de Ciro, rompidos com ele. Sim, o homem que "vai unir o Brasil" não consegue unir-se com  os dois irmãos, Cid e Ivo.

Fiz a comparação com o Quixote, mas o espanhol era uma alma boa, se perdeu pelo romantismo e descolamento com a realidade. Essa desconexão com a realidade, Ciro também desenvolveu, mas não por romantismo, e sim por ego e ressentimento. Acaba a campanha menor do que entrou como uma triste figura mesmo. Uma pena.

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