A destinação desigual das verbas do fundo eleitoral e partidário para as campanhas atinge também as mulheres. No Rio Grande do Norte, os partidos doaram a elas cerca de R$ 9 milhões a menos do que para eles até o momento, segundo levantamento da plataforma 72 horas com base nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O Estado recebeu 557 pedidos de registro de candidatura, sendo 201 de mulheres, e 145 com financiamento até esta quarta-feira (21). Os repasses dos Fundos Partidário e Eleitoral já atingiram quase R$ 84 milhões, sendo R$ 37,2 milhões para as mulheres e R$ 46,5 milhões para os homens.
O problema, entretanto, é crônico. No Brasil, os partidos são obrigados por lei a lançar no mínimo 30% de candidaturas de mulheres. No RN, o percentual é de 36%, o que também leva o valor do financiamento para baixo.
Anne Marjorie faz parte da lista de candidaturas do MDB a não receber nenhum centavo até o momento. E a situação não deve mudar. O partido decidiu priorizar as candidaturas à Câmara Federal. Por isso, Marjorie, candidata a deputada estadual, não contou com nenhum aporte do partido para fazer campanha. Ela entrou na campanha esperançosa, e diz que viu a situação mudar.
“Muda completamente, porque a gente esperava um mínimo de recurso e quando você não tem nada pra avançar, como é que você faz isso? Como é que você faz qualquer coisa na sua vida sem recurso financeiro?”, questiona. “Não tem como eu pedir pras pessoas porque eu entendo que é uma construção tão desleal, e a função é essa mesmo, gerar uma fragilidade na força feminina, é silenciar”, comenta.
Jornalista e com atuação na defesa das mulheres e das crianças vítimas de violência, ela diz agora que sofre silenciamento dentro da sigla. “A pessoa que diz ‘vamos quebrar silêncios’ está sendo silenciada. A pessoa que diz ‘vamos quebrar o silêncio do abuso’, está sofrendo agora uma forma abusiva de poder. E é escancarado, é declarado, não há nenhuma dificuldade em ser assim”, critica.
Junto à falta de recursos, Marjorie ainda descobriu que contraiu uma dívida a contragosto. O partido produziu santinhos pelo custo de R$ 4,2 mil, mas através do CNPJ da candidata. Ela também teve que contratar uma contadora com o próprio dinheiro, pelo preço de R$ 1,5 mil.
Segundo a candidata, um grupo de candidatos prejudicados pela distribuição do MDB pretende entrar na Justiça para tentar buscar um financiamento, mas ela tem dúvidas. “Ainda estou pensando seriamente se vale a pena mesmo eu entrar com alguma ação faltando 11 dias pra campanha? Será que não vai ser um mero desgaste?”, se pergunta.
Mas a campanha segue. “Eu estou fazendo o que eu posso, com o que eu posso, com as doações de serviços, de amigos que estão comigo. Um vai pra algum lugar comigo, um ajuda no vídeo, porque eu tenho essas relações aqui em Natal, mas se eu não tivesse, coitada de mim. E é uma realidade brasileira”, lamenta. Os únicos R$ 2,6 mil declarados à Justiça Eleitoral pela candidata são da produção dos vídeos de internet doados por um amigo.
Já Anna Rodrigues foi financiada, mas com os R$ 2 mil destinados pela Rede Sustentabilidade para bancar a campanha para a Câmara Federal, ela pouco pôde fazer. O partido da candidata lançou seis pessoas no Rio Grande do Norte e financiou quase todos, mesmo com um valor pequeno. A exceção foi para um outro candidato, que não recebeu o fundão até o momento.
Ativista pela legalização das drogas, ela conheceu melhor o partido durante um evento em São Paulo, em que conversou com os dirigentes da sigla. “E aí nesse momento ficou muito claro para mim como o Rede era um partido pequeno não só aqui no estado, mas a nível nacional. Entretanto, eu observei também que eles tem uma boa articulação”, comenta.
Ao participar do lançamento da candidatura da ex-senadora Marina Silva, fundadora da Rede, em São Paulo, voltou para Natal e encontrou uma realidade ainda mais dura. “Fiquei super feliz, super animada. E aí quando eu cheguei em Natal a realidade já foi um pouco diferente. Eu tinha criado uma expectativa de um nível maior de organização que infelizmente não tem tanto”.
O orçamento inicial pensado por Rodrigues era de cerca de R$ 40 mil, bem distante dos atuais R$ 2 mil recebidos. “Eu fiquei um pouco limitada quando veio esse recurso, já depois de ter iniciado a campanha oficialmente”, afirma. Ela também diz que não tem mais esperança de receber um aporte maior do partido.
Com o pouco dinheiro, algumas iniciativas que Anna pretendia adotar na campanha não puderam ser feitas, como os chamados santinhos ecológicos, feitos em papel semente que depois vira planta. “Só que aí eu acabei não fazendo por não ter verba suficiente”, lamenta.
Com a verba recebida, ela preferiu alugar uma sala comercial para ter um local em que pudesse produzir vídeos e imagens de boa qualidade, e também recebeu uma quantidade de material gráfico da Rede. Na comunicação online, virou uma “faz-tudo”.
“Eu mesma estou fazendo o layout das postagens, eu mesma estou editando os meus vídeos, eu mesma estou colocando legendas, eu estou fazendo tudo”, diz.