A enfermeira potiguar Adelian Barbosa, 45, viralizou após circular nas redes sociais um vídeo gravado em que ela aparece emocionada ao comentar o porquê de votar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nascida em Lajes, interior do Rio Grande do Norte, Adelian vive há quase 13 anos na Noruega e conseguiu se formar na faculdade através do Programa Universidade Para Todos (Prouni), que oferta bolsas de estudo em universidades privadas.
“Eu sou nordestina de Lajes do Cabugi, terra de Alzira Soriano, a primeira prefeita eleita da América Latina. Eu sou filha de pobre. Meu pai é analfabeto. Minha mãe, semi-analfabeta. Eu fui para a faculdade através do programa do ProUni. Eu sou enfermeira na Noruega. É Lula, é Lula! Viva o nosso Brasil! Eu sou brasileira!”, manifesta Barbosa. No vídeo, ela ainda aparece vestida com uma camiseta do PT, um chapéu de couro e tocando um triângulo, no dia da votação do primeiro turno, em Oslo, capital da Noruega.
Assista ao vídeo:
Filha de pais que não conseguiram concluir os estudos, como relata, a potiguar diz que “agarrou o sonho de ser enfermeira”, que tinha desde os 15 anos. “Meu pai não teve oportunidade de estudar. Ele teve uma família grande em que praticamente também ajudou a criar. E meu pai, por mais que tivesse sua simplicidade, ele sabia que o estudo era importante para os seus filhos. E minha mãe também teve um pouco de estudo, mas não chegou a terminar o ensino fundamental”, lembra.
Por conta do trabalho dos pais, que precisavam viajar para outros locais, ela viveu parte de sua infância com uma avó e uma tia em Lajes. Ao concluir o ensino médio e iniciar a faculdade, foi inicialmente para a Pedagogia, mas descobriu que seu lugar era mesmo ajudando a cuidar dos outros. Com isso, se mudou para Natal e iniciou o curso de Enfermagem em uma instituição privada, que conseguiu graças à bolsa do Prouni.
“Eu falo de onde eu sou, de onde eu vim, quem eu me tornei. E através dos programas que foram promovidos pelo tempo de Lula na sua gestão, eu consegui chegar tão longe que nem eu mesmo sabia que eu tinha esse poder. A gente nunca imagina”, relata.



A chegada na Noruega
Adelian nunca imaginou morar fora do Brasil. Ainda no Brasil, chegou a viver um relacionamento que considera abusivo. A mudança de país veio por acaso, ao conhecer um norueguês através do Skype, um programa de chamada de vídeo. Assim, pegou as malas, foi se aventurar em outro continente, fez a prova para revalidar o diploma de enfermeira e hoje trabalha em uma empresa de atendimento domiciliar.
“Hoje em dia eu tenho muito orgulho de mim, porque até depois de certo tempo eu fiz terapia porque tem horas que a gente não se reconhece como vitoriosa. Alguém tem que chegar para vocês e dizer. E você esquece o que você passou, você esquece que você conseguiu”, diz.
Tempos depois, se deparou do companheiro noruguês, mas ainda mantém contato com ele. A potiguar tem dois filhos que vivem com ela lá, um adulto de 22 anos e uma criança fruto do seu relacionamento europeu.
Sobre o vídeo, acredita que seu histórico de vida a fez extravasar as emoções, mesmo se considerando tímida. “Eu acho que foi isso também me ajudou a chegar ali e falar, sabe? Porque você se empodera de quem você é”, reflete hoje.
“Vermelhou”
A ideia do vídeo saiu por acaso. Adelian mora em Kongsberg, uma cidade a cerca de 80km da capital norueguesa, onde está o local de votação do país nórdico. Devido a distância, viajou para a capital no dia anterior e se juntou com um grupo de amigas brasileiras que já conhecia, para irem votar juntas na Embaixada brasileira.
Recentemente, entre fevereiro e março, Barbosa esteve no Brasil e, na volta, levou alguns itens que aparecem na gravação. “Eu trouxe um chapéu de couro, esse triângulo, porque todo mundo que me conhece aqui sabe que eu puxo minha raiz mesmo. Eu trazia malas e malas de cuscuz, agora diminui mais, mas na minha mala sempre vinha cuscuz, farinha, essas coisas. Eu saí do Brasil, mas o Brasil não saiu de mim”, brinca. Já a camiseta do PT foi graças a uma amiga, que sabia do seu apreço pelo partido de Lula e Dilma. Ao chegar na Embaixada e ver outro grupo de pessoas usando a cor característica da sigla, pensou: “vermelhou”.
Assim, tirou o chapéu e o triângulo da bolsa e começou a cantar “Anunciação”, canção de Alceu Valença que considera um “hino”. “Cantamos e saiu espontaneamente o que eu falei ali, não foi programado, eu não queria fazer vídeo para viralizar. Nunca foi minha intenção. Eu sou uma pessoa tímida, mas foi do fundo da minha alma a questão da minha gratidão pelo que eu consegui, pela oportunidade que eu tive de estudar, realizar o sonho de ser enfermeira”, relata.
“E meu sonho era trabalhar no município [em Lajes], eu já tinha emprego garantido porque era funcionária pública efetivada através de concurso. Minha perspectiva era essa, mas apareceu um casamento no meio do caminho e me trouxe para cá”, relembra.
Brasil de Bolsonaro
Com os altos índices de qualidade de vida da Noruega, a enfermeira elogia a política de inclusão social do país e os “cuidados do seu cidadão em todas os aspectos: saúde, educação, acessibilidade, respeito”.
Também elogia os discursos dos chefes de Estado, “porque não exclui ninguém. Todo mundo é livre para escolher o que você quer ser, o que você quer acreditar”, reflete.
No país nórdico, o chefe de Estado possui um discurso de inclusão, segundo Adelian. “Menina que gosta de menina, menino que gosta de menino, e meninos e meninas que se gostam. É estrangeiro, é quem acredita em Cristo, quem acredita em Alá. Ele inclui todo mundo numa única sociedade. Todo mundo é livre para escolher o que quer ser e o que quer acreditar”, elogia.
“A gente só entende isso quando vivencia uma cultura e você vê como a sociedade funciona. Porque a minha vida particular tem que ser respeitada. Eu tenho que pensar no bem comum e pensar no melhor para que eu me sinta bem também”, afirma a enfermeira.
Por isso, é uma crítica do governo Jair Bolsonaro. Segundo ela, a política brasileira no exterior “é muito comparada com o que aconteceu com Trump nos Estados Unidos”.
Na hora da entrevista, o ex-companheiro de Aldelian apareceu em sua casa para deixar o filho, e ela perguntou a um próprio norueguês sobre como é a imagem de Bolsonaro naquela terra.
“Ele usa os termos ‘democracia’ e ‘Justiça’ até onde lhe convém, até onde faz bem para sua para sua campanha, para o seu discurso”, Barbosa descreveu, depois de traduzir o que o ex-marido disse. Em bom “nordestinês”, ela é mais clara: “ele vai pela avacalhação porque não tem postura diplomática”.
No dia 30 de outubro, data marcada para o segundo turno das eleições, a potiguar tem plantão no seu trabalho, mas diz que já conversou com a chefe e deve conseguir trocar o horário, para novamente votar em Lula e contra o atual presidente.
“Só quem é da classe trabalhadora, pobre, e que teve a oportunidade de ter o conhecimento, sabe que é uma coisa que ninguém tira. É a herança que seus pais deixam para você e ninguém tira de você. E esse conhecimento liberta”, pontua.