“Por causa do envolvimento da Igreja com a política e causas de constrangimento com os irmãos que pensam contrário”. Esse foi o motivo para que o casal de evangélicos Maria Luísa Silva, 63, e Luciano de Oliveira, 66, saísse da Igreja Assembleia de Deus – Congregação Bela Vista I, no bairro das Quintas, zona Oeste de Natal.
A saída do casal foi relatada pelo filho dos dois, o estudante de Direito da UFRN Lucas Fagundes. A frase que cita o constrangimento foi escrita numa declaração de Silva à igreja, após ser solicitada a escrever formalmente um documento para justificar sua saída.
Ainda com laços dentro da congregação, Maria Luísa preferiu não falar sobre a situação. Mas, segundo Lucas, os pais sofriam pressão da direção e dos outros frequentadores da igreja pela opção de votar em Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e não em Jair Bolsonaro (PL), para a presidência.
“Eles perceberam que nos próprios grupos da igreja, a intensidade com que informações sobre política eram colocadas era bem maior do que em outros tempos, e isso de certo modo incomodou eles, mas não a ponto deles quererem sair”, explica o estudante.
Com a reta final das eleições, entretanto, o ritmo de mensagens e a pressão dentro e fora do templo aumentaram. “Mais recentemente isso ficou no nível para além da questão política. Era algo absurdamente imoral mesmo, com informações falsas, vídeos montados, coisas que fugiam da realidade da própria fé cristã”.
Fagundes explica que as orientações para o voto no candidato do PL eram mais firmes nos grupos de WhatsApp da igreja, mas as diretrizes eram dadas também nos cultos, só que de maneira velada.
“Havia pedidos de lideranças da própria igreja para orar pela eleição do presidente. Tudo isso foi acumulando, acumulando, acumulando ao ponto deles perceberem que não cabia mais permanecer ali na igreja”, reflete. “Claro que no culto é tudo muito mais velado, mas nos grupos de Whatsapp tinha uma coisa muito explícita”.
Ao tentar rebater as informações falsas que eram repassadas, porém, o casal era rechaçado. “Quando alguém cogitava questionar, dizer que aquela informação não procedia, que não era daquela forma, ou colocar alguma informação a respeito de uma outra candidatura, era muito rapidamente constrangido”, aponta.
Uma década de devoção
Luísa e Luciano estavam há 10 anos na IADERN das Quintas. Por lá, passaram por diversos cargos, sempre solícitos em contribuir com o trabalho de evangelização. “Meu pai já ocupou vários espaços. Ajudava em tudo que podia, ficava na recepção, já foi tesoureiro, professor da escola dominical”, relatou Fagundes, nas redes sociais.
“Já minha mãe foi da bandinha, participava do círculo de oração, também já foi da comissão de visita. Eles acreditavam que crer em Jesus, dar o dízimo e fazer a obra era suficiente, mas não foi”, lamentou.
Segundo o estudante, os pais “viram a igreja de Cristo virar um comitê de campanha”. Nos grupos de Whatsapp, mensagens bíblicas “deram lugar a notícias falsas, textos em tom alarmante denunciando a ‘ameaça petista’ e áudios de pedido de oração pela vitória de Bolsonaro”.
Para ele, havia um “’salvo-conduto’ para mentir, desde que seja contra o adversário”. Resistentes, os pais reafirmaram o voto no candidato do PT.
“Eles ficaram tentando convencer ela [mãe] a não votar em Lula. Tentaram convencer meu pai também. Só que meu pai é uma pessoa instruída. Ele é pedagogo, professor da rede pública, ele não é uma pessoa que facilmente é persuadida”, afirma.
Na declaração enviada pela Assembleia de Deus para a assinatura da mulher, constam as inscrições do Departamento Feminino e do Círculo de Oração do templo. O fim do ciclo de Luísa e Luciano foi nesta terça-feira (25). Lucas ressalta que a decisão do casal foi pessoal, mas estranhou o envio do papel para que a mãe assinasse. Em outro momento, o casal se mudou temporariamente e precisou se afastar da igreja, mas não enviaram nenhum documento para atestar a saída. “Aí ela me mandou, ficou até preocupada”, comenta o filho, sobre a situação atual.
Mesmo deixando a Assembleia, marido e esposa não devem deixar a fé de lado. “Eles até estão procurando outra igreja para se congregar. Eles não pretendem deixar de ser cristãos, deixar de ser evangélicos. Eles só não concordam com o que estava havendo ali naquela Igreja Assembleia de Deus”, afirma.
Nas redes sociais, o recado de Fagundes foi claro, expressando a felicidade de ver os pais votando no petista e não no atual presidente. “Jesus Cristo não tem título de eleitor. Por isso, não poderá votar nem em Lula e muito menos em Bolsonaro, mas meus pais, que me enchem de orgulho, dia 30 votarão em Lula”, assegurou.
Confira o relato feito por Lucas Fagundes:
Ver essa foto no Instagram