Uma matéria da agência Saiba Mais publicada nesta quinta-feira (6) sobre deputados eleitos que se autodeclararam negros gerou críticas pela falta de reflexão sobre a negritude. Pelas imagens divulgadas pelas campanhas dos candidatos, leitores consideraram que a maioria era “visivelmente branca”.
O texto traz um levantamento dos 11 deputados estaduais e federais eleitos no Rio Grande do Norte que se autodeclararam como pretos ou pardos para as eleições de 2022. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estas duas populações são classificadas como negras.
“Se quando usam a cota sem direito perdem a vaga na faculdade, o mesmo tinha que valer para a eleição. Afinal, eles ocupam as cotas de candidaturas e também da verba eleitoral”, disse a leitora Ana Flávia Fernandes. “Jornalismo que corrobora com práticas racistas também é racista”, argumentou Genderson Kaio.
Para o professor de Jornalismo da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Tobias Queiroz, a abordagem do texto foi inadequada. “Jornalisticamente falando, aquela matéria tem uma perspectiva extremamente calcada nos signos e na simbologia da branquitude, que é tratar de uma maneira acrítica discussões políticas”, afirma.
“Quando a gente pensa questões identitárias, é mais importante a gente pensar a política na identidade do que a identidade na política. Naquele caso, não se levanta questões sobre a política da identidade, está totalmente apagada. Está colocando como um fato algo que foi uma burla”, critica.
Dos 11 parlamentares potiguares, 10 se identificaram como pardo e apenas uma, a vereadora natalense Divaneide Basílio (PT), como preta. Segundo o docente, não abrir espaço para os questionamentos da autodeclaração dos candidatos que são “negros” — mas visivelmente brancos — é colaborar com uma “estrutura racista”.
De acordo com ele, apenas a autodeclaração, fenótipo ou documentos como certidão de nascimento não bastam para que uma pessoa seja considerada negra. “O que a gente tem que avaliar é como essas pessoas são lidas socialmente”, aponta. “Um homem daquele ali corre risco de levar um tiro da Polícia à noite na rua? Uma mulher daquela corre o risco de ser taxada como ladra dentro do supermercado ou de um shopping? Esse é um recorte social a que nós pessoas negras somos submetidos diariamente. Então, se a pessoa está se colocando como negra, isso não quer dizer que elas são lidas socialmente como isso”, afirma o docente.
Financiamento e “peso dois”
Nas eleições gerais de 2022, entraram em vigor as políticas afirmativas para candidaturas de negros. Segundo aprovado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a divisão dos fundos partidário e eleitoral, além do tempo de propaganda na TV, deveria ser proporcional ao número de postulantes negros. A eleição de mulheres e negros (a soma das pessoas autodeclaradas como pretas e pardas) também ganhou mais importância para os partidos já que, em 2021, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral, que entrou em vigor neste ano.
Queiroz questiona as possíveis burlas ao financiamento, mas diz que, “a priori”, não é a questão principal. Algumas das candidaturas questionadas por sua autodeclaração haviam dito anteriormente ter aberto mão do fundo de financiamento para pessoas pretas ou pardas. “Além de você correr o risco de receber um dinheiro a mais, estão falseando um dado estatístico que vai prejudicar uma política pública cultural de inclusão de pessoas negras”, diz.