Ressaca de segunda
Natal, RN 24 de abr 2024

Ressaca de segunda

3 de outubro de 2022
4min
Ressaca de segunda

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Segunda-feira, 3 de outubro. Três e vinte e oito da madrugada. Acordo sem ter certeza se realmente havia dormido e por quanto tempo consegui dar uma trégua nessa angústia de encarar a apuração dos votos do primeiro turno. Pior que isso é despertar não para fora, mas para dentro de um pesadelo, nesse solo de realidade que tanto nos assombra ultimamente. É como se tivesse acordado com uma enorme ressaca. Só que sem uma gota de álcool para justificar.

O que me conforta é saber que não estou sozinha nessa ressaca coletiva. Dali a pouco uma amiga envia uma mensagem: “você tá aí, tem cinco minutos, por favor?”. E eu digo que sim. Embora não saiba se tenho comigo um arsenal de palavras suficientemente boas para lhe dizer, ofereço ao menos o invólucro dos meus ouvidos e o canto ou outro de um passarinho madrugador, que escapa pela minha janela.

Já é metade da manhã e o dia anterior continua atravessado entre minhas pálpebras. Lembro agora de uma moça de uns 20 anos que entrou na fila para votar. Ela usava como capa uma bandeira do Brasil que ía quase aos pés. Uma coisa horrenda, dadas as circunstâncias atuais, das motivações que levam uma pessoa a usar esses símbolos patrióticos e o que eles representam. Um outro casal, usava camisetas cinza com a frase: “militar para mim é verbo”. Foram duas cenas absolutamente distintas de um mesmo ato: nossa vida real. Pessoas tão próximas em idade e tão distantes em ideologias. Esse é nosso país no momento. Fato é que, contrariando novamente a nossa bolha, as pesquisas mal dimensionadas ou, quem sabe, a subestimação do orçamento secreto e seu poderio de cabresto refletido nas urnas, seguimos assombrados pelo fortalecimento do extremismo de direita que eu vi nas filas das sessões eleitorais no domingo passado. Basta ver o resultado das bancadas estadual e federal do nosso Estado e do resto do país.

Desde 2018, estamos sentindo o peso dessa ameaça que nunca deixou de existir no Brasil, mas passou um tempo nos porões e ganhou ascensão quando um sujeito abjeto e sem graça que há 27 anos vivia na mamata, primeiro, ganhou o cargo na imprensa conservadora de bufão da política vigente. Mas, ao invés de zombar e criticar o rei e a rainha - regalias permitidas aos bufões - sempre zombou e desprezou apenas o povo. Depois, esse bufão foi e continua sendo usado pelas demais forças conservadoras como o agronegócio, o sistema financeiro tradicional, a igreja e as forças armadas para continuar desprezando o povo, só que dessa vez na principal cadeira administrativa do Brasil. O resto a gente já sabe, sente e sofre!

Não é que não seja importante pensarmos a origem disso tudo. Mas precisamos pensar no destino! Há um inegável avanço da barbárie. Pessoas continuam elegendo milicianos! No nosso estado, pessoas elegeram para deputado um sujeito investigado por triplo homicídio. O que pensar sobre isso? A sensação que eu tenho é que as pessoas estão nuas e dançando com escorpiões.

Voltando àquele telefonema da madrugada. Ao compartilharmos nosso estarrecimento, decepção e tristeza, chegamos à conclusão de que desde muito antes de nós, nada foi ou é fácil. Especialmente para nós mulheres. E me utilizando de uma frase atribuída a Paulo Freire: “Num país como o Brasil, manter a esperança viva em si é um ato revolucionário”, encontrei coragem para dizer à moda das amigas que se ligam no meio da madrugada: “miga, sua louca, não vamos desistir de nada. Seca as lágrimas no caminho; se quiser, deixa elas fazerem parte do caminho; não é vergonhoso chorar. Vergonhoso é não ter por quê ou por quem chorar”.

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