OPINIÃO

Copa do Mundo: Futebol é paixão. Política, não!

Como diria Nelson Rodrigues em suas crônicas: é batata! De quatro em quatro anos – ou seja, em tempos de Copa do Mundo – as redes sociais, grupos de zap e mesmo os papos da vida real, se é que isso ainda existe, são invadidos por comentários, palpites, pitacos, raivas, amores, reclamações, dúvidas, ódios sobre a seleção brasileira e quaisquer outros jogadores e times que estejam disputando o torneio. Nada contra e nenhuma surpresa. Futebol é paixão e, como tal, foge do campo (ops) da racionalidade.

Até aí tudo bem, tanto o futebol quanto à paixão merecem respeito. Contudo, neste Brasil complexo de 2022, recém-saído de uma eleição presidencial onde um ex-presidente de esquerda (que tinha sido preso por uma armação jurídica na eleição passada) montou uma frente ampla para vencer o candidato-presidente de extrema-direita, não seria surpresa que a política, assim como vem acontecendo na arte, entretenimento, relações familiares, vida profissional etc etc, se misturasse também ao futebol.

A mistura entre futebol e política não é nova. Na Europa é comum torcedores usarem a arquibancada para manifestar posições políticas. A torcida do Liverpool, na Inglaterra, é radicalmente pró-Partido Trabalhador, sempre pegando pesado com os conservadores. Na Itália, na capital, a Roma é o time da esquerda, enquanto a Lazio abriga a torcida de direita, muitos pró-fascismo. Na Espanha, o time do Barcelona e sua torcida sempre se identificou com a identidade e mesmo a independência da região da Catalunha. No Brasil essas relações são menos ostensivas, mas houve movimentos como a “democracia corintiana” nos anos 80 e jogadores politizados como Afonsinho.

Contudo, há tempos a seleção brasileira abriga jogadores que vieram de espaços menos abastados mas que enriqueceram no futebol europeu e mostram posturas não apenas normativas, mas conservadoras em essência, quase sempre despolitizadas. Nunca vi problema nisso. Não se pode cobrar que um menino que saiu com 18 anos do Brasil e após jogar na Rússia e na Ucrânia e conseguir um contrato e sucesso na vida em um clube de elite da Espanha, França, Itália ou Alemanha, desenvolva ou mantenha uma consciência de classe que, na verdade, nunca recebeu de maneira efetiva.

Enfim, havia um pacto silencioso, portanto, de que boleiros se eximem de falar de política, com as exceções só confirmando a regra. Até que, às vésperas de uma Copa do Mundo, aparece Neymar, justamente o craque do time e um dos jogadores mais conhecidos e bem pagos do Mundo, não apenas falando sobre política, mas declarando apoio a voto a um candidato. A um candidato de extrema-direita, na eleição mais dividida e tensa da história do país.

A posição de Neymar acabou levando a divisão político-ideológica mostrada na campanha e na eleição para um ambiente onde ela não deveria entrar: futebol e seleção brasileira. Como resultado da postura de Neymar, muitos brasileiros torcem pela seleção, mas contra Neymar, o que gera um cenário quase inédito no esporte na qual parcela dos torcedores comemora a contusão do craque do time, como aconteceu.

Não culpo os torcedores. Como disse acima, futebol é paixão, ou seja, afinidade, gosto pessoal, racionalidade zero. Faz parte. Mas, podemos fazer um recorte deste episódio para entender que a paixão, na verdade, vem começando na política. E não deveria ser assim.

Mais do que em 2018, o bolsonarismo se firmou não como uma vertente política, mas como um movimento comportamental e religioso, quase uma seita, ou seja, paixão, no sentido clássico grego do termo. Uma paixão que torna a pessoa cega à realidade, como aconteceu com Romeu e Julieta e como acontece com os desocupados que se planam em frente a quartéis para pedir golpe militar. Não o fazem por política, mas por paixão.

Em menor escala a militância de esquerda vem aderindo à perceber a política como uma paixão e não uma ciência, e isso também é ruim. Escrevi sobre esse tema aqui neste mesmo espaço em 2020 e 2021, analisando que certas posturas apaixonadas de militantes progressistas, como a dificuldade em dialogar com eleitores bolsonaristas arrependidos e preferir apontar o dedo e dizer “eu avisei” em vez de explorar as dúvidas do eleitor de direita, mais atrapalhava uma campanha de Lula do que ajudava.

Atualmente, misturando futebol e política, a militância esquerdista achou um ídolo para chamar de seu: o atacante Richarlison, ex-Fluminense, que brilha no Tottenham, tradicional time londrino. Gente que ouviu pela primeira vez o nome do rapaz na última quinta-feira já o canta em verso e prosa. Um cidadão tatuou na perda o movimento de voleio do seu gol contra a Sérvia. Sei que, como observou o cientista político e escritor Christian Lynch: “Tô de saco cheio de jogador amoral ou imoral do tríptico “suruba, grana e malandragem”, tipo Edmundo, Romário e Neymar, que são a cara do Bolsonarismo. Já esse Richarlison parece super do bem, apoia a ciência, votou no Lula e fez até gol em forma de L. Chega em muito boa hora”

Não era para ser assim, mas a seleção brasileira hoje carrega a tensão política onde o Brasil foi jogado. Um erro. Política não combina com paixão. Que 2023 seja marcado pela volta de uma direita sensata que veja política como política e não como formação de uma seita (ou de milícias). E que a esquerda deixe suas carências para a terapia e o romantismo para jantares a dois com luz de velas e também trate a política como deve ser: como uma ciência.

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