A campanha nacional de vacinação contra a poliomielite, encerrada na última segunda-feira (31), deixou números preocupantes no Rio Grande do Norte. Dos 167 municípios potiguares, apenas 53 atingiram a meta de 95% de cobertura vacinal. Outros 113 alcançaram um percentual de vacinação entre 50 a 94,99%.
A capital do estado, que tem à frente um médico, o prefeito bolsonarista Álvaro Dias (PSDB), foi a cidade com pior desempenho na vacinação contra o poliovírus, causador da paralisia infantil. Natal foi o único município potiguar que não alcançou nem 50% de cobertura vacinal, ficando com 39,80%, ou seja, com apenas 16.353 crianças de zero a cinco anos imunizadas.
Para entender as possíveis razões para essa baixa adesão, a SAIBA MAIS conversou com a mestre e doutoranda Madja Magno, uma das autoras do artigo “Desinformação, antivacina e políticas de morte: o mito (d)e virar jacaré”, que analisou os efeitos das campanhas de desinformação e os movimentos antivacina no combate à pandemia da Covid-19.
Segundo ela, o corte de verbas publicitárias destinadas à sensibilização sobre a vacinação, em conjunto com os movimentos antivacina, levam parte da população a questionar a efetividade dos imunizantes – ou até mesmo a inferir que a melhor prevenção é a contaminação.
“Os grupos antivacina sempre existiram, mas as campanhas de desinformação e a legitimação do discurso antivacina, por parte de lideranças políticas, autorizam e materializam um discurso, até então, proscrito. Nunca antes, foi tão comum ouvir afirmações – e negações – sobre a vacina e sua eficácia”, disse a estudiosa.
A pesquisadora relembra a postura negacionista do prefeito Álvaro Dias no enfrentamento à pandemia em Natal. “A política, que deveria atuar na gestão da segurança e da saúde da população, parece atender apenas a interesses individuais e ideológicos”, avaliou, referindo-se a lei, publicada pelo prefeito em 2020, na qual determinou que a Secretaria Municipal de Saúde providenciasse o “kit de medicamentos”.
O “kit” em questão incluía fármacos como hidroxicloroquina, cloroquina, ivermectina e azitromicina. “O negacionismo, assim como a divulgação de um ‘tratamento precoce’, contribuíram para a diminuição dos índices de vacinação (e, ouso dizer, para o aumento das mortes)”, apontou Madja.
Na época, o prefeito Álvaro Dias protagonizou uma queda de braço com a governadora Fátima Bezerra (PT). Enquanto ela endureceu restrições para conter o avanço a doença no estado, ele afrouxou as normas na capital: além de recomendar tratamentos comprovadamente ineficazes e não aderir de pronto à vacina, ampliou o horário de funcionamento do comércio em meio ao aumento do número de mortes.
A doutoranda relata ainda que, de acordo com as pesquisas, os questionamentos sobre a eficácia e a segurança das vacinas no Brasil seguem aumentando. “A crença de que os imunizantes são, na verdade, os causadores das doenças que deveriam proteger; a desconfiança sobre as substâncias que compõem as vacinas; e os reais propósitos de quem impõe a vacinação em massa são alguns exemplos do discurso que tem sido disseminado no país”, pontuou.
Para ela, a desinformação desperta receio diante da vacinação, o que se reflete diretamente nos baixos índices que estamos presenciando hoje. “O que parece é que, ao invés de uma gestão da vida, temos uma condução política, discursivamente elaborada e meticulosamente proposta, para uma gestão da morte”, concluiu.