Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) a realizar o cultivo controlado e processamento da planta cannabis para fins de pesquisa científica. Com isso, a Universidade passa a ser a a primeira instituição do país a conquistar a liberação. O Instituto do Cérebro (ICe-UFRN) conduzirá os projetos de pesquisa para avaliação da eficácia e da segurança de combinações da substância.
Apesar dos avanços nas pesquisas conduzidas em todo o mundo, no Brasil ainda não havia instituições de ensino e pesquisa que pudessem realizar o cultivo de cannabis para geração de dados científicos.
A autorização foi aprovada, por unanimidade de votos, nessa última quarta (14). A UFRN vem trabalhando no processo para aprovação da liberação há cerca de dois anos junto à Anvisa, órgão conhecido pelos rigorosos processos de controle sanitário.
“Representa um passo importante para o avanço das pesquisas desenvolvidas na UFRN e um marco histórico para a ciência brasileira”, avalia o reitor da UFRN, José Daniel Diniz Melo.
A Anvisa autorizou que a UFRN possa importar, armazenar e germinar sementes da planta cannabis, além de cultivar, por meio de sistema controlado, na modalidade indoor (ambiente fechado). A decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária levou em consideração o estabelecimento de requisitos de segurança e controle adequados para a realização das atividades que envolvam o cultivo controlado pela UFRN.
Durante o período de avaliação, além de realizar a comprovação documental, a Universidade recebeu visita às instalações do Instituto do Cérebro (ICe-UFRN), para verificar as condições de infraestrutura e a capacidade técnico-científica. O Instituto do Cérebro (ICe-UFRN) conduzirá projetos de pesquisa pré-clínica para avaliação da eficácia e segurança de combinações de fitocanabinóides, no manejo de sinais e sintomas associados a distúrbios neurológicos e psiquiátricos.
“Já conheço o trabalho da UFRN, acompanho a vida acadêmica e sei da força da Universidade no Nordeste e em todo país. A expectativa era muito boa, mas hoje foi muito importante conhecer o trabalho feito aqui porque a Anvisa dialoga, constantemente, com as universidades e os institutos de pesquisa, visto que nosso trabalho é forjado na ciência”, comentou o diretor da Anvisa, Alex Machado Campos, durante a visita, em outubro deste ano.
“Trataremos aqui de ciência, mais especificamente de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Não estamos falando de importação de conhecimento, mas sim de sua geração, de inovação, de pesquisa e desenvolvimento nacionais”, comentou o relator da matéria para avaliar a liberação na Anvisa, Alex Campos.

Ciência
As plantas de cannabis produzem, como metabólitos secundários, um conjunto de compostos conhecidos como fitocanabinoides. Essas moléculas possuem afinidade farmacológica por muitos receptores biológicos, modulando a bioquímica e a excitabilidade de diversos tipos celulares, especialmente no sistema nervoso.
O professor do ICe-UFRN, Claudio Queiroz, explicou que os estudos clínicos já demonstraram segurança e eficácia de um desses fitocanabinoides, o canabidiol (CBD), no controle de crises refratárias. Entretanto, os mecanismos neurofisiológicos responsáveis pelos efeitos terapêuticos do CBD são ainda desconhecidos.
“Além disso, pouco se sabe sobre o efeito dos fitocanabinoides sobre outros tipos de epilepsias, bem como o potencial de outros fitocanabinoides, como o CBN e o CBG, que não possuem propriedades psicoativas, sobre a excitabilidade neuronal e a frequência de crises”, ressaltou.
O professor do ICe-UFRN considera que para responder a essas perguntas é necessário o cultivo da planta, para ter acesso aos compostos nas concentrações e proporções controladas para as investigações. Ainda segundo Queiroz, a autorização da Anvisa trará grandes contribuições por possibilitar a ampliação de conhecimento sobre a produção, pela planta, de fitocanabinoides, bem como por permitir a realização de pesquisa básica e testes sobre os efeitos desses fitocanabinoides, quando administrados isoladamente ou combinados, em modelos animais de epilepsia, autismo, zumbido, estados afetivos e funções cognitivas, avaliando sua segurança e eficácia.