Se você mora ou tem alguma proximidade com a cidade de Natal, certamente já ouviu falar do bairro de Mãe Luíza. Diz a lenda que a localidade, que já foi alvo de muita pressão e disputa imobiliária pela proximidade da Via Costeira, centro e zona sul de Natal, recebeu o nome de Mãe Luíza por causa de uma das primeiras moradoras, da época em que o bairro era só dunas e mato. Essa e muitas outras histórias estão no E-book “Mãe Luíza: a construção social do bairro”, escrito pela pesquisadora Aparecida Fernandes.
Apesar de ter sido escrito em 2000, como resultado de sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o material só virou publicação recentemente devido a um edital lançado pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN). Apesar da riqueza do material, o livro terá apenas uma versão virtual, devido à falta de verba para publicação em papel.
“O material ficou no repositório de teses e era muito consultado quando o assunto era Mãe Luíza. O IFRN lançou o edital com apenas duas vagas para obras acadêmicas, me inscrevi e acabei sendo selecionada. O livro não sairá no formato impresso por causa dos cortes realizados pelo governo Jair Bolsonaro na pasta da Educação”, lamenta Aparecida Fernandes, autora do livro que já está disponível no formato digital.
Em sua investigação, a autora analisa o desenvolvimento do bairro durante os anos 1990, mesmo período de investidas do setor imobiliário na região. A pesquisadora também aponta que os moradores do bairro conseguiram resistir a esse período de muita pressão, que só cessou depois da criação da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que freou a especulação imobiliária durante os anos de 1980 e 1990.
“Eles resistiram a tudo isso e resolveram por meio de mutirão a questão da última favela, por meio do movimento comunitário. Com essa resposta eles também estão indicando o caminho ao poder público. Agora, também cabe a ele ter a inteligência e compromisso com o povo de olhar para os caminhos apontados e promover políticas públicas não só para o bairro de Mãe Luíza, mas para todo Rio Grande do Norte”, critica a pesquisadora.
Mãe Luíza é retratada em grafite na escadaria do bairro I Foto: acervo da autora
Durante a pesquisa, ela também percebeu que os moradores do bairro costumam passar longos períodos no local, com uma média de 25 anos de permanência. Os vínculos familiares e amizades são os principais motivos para os longos períodos de moradia, além da questão da posição geográfica do bairro, próximo a praias e ao centro da cidade.
“Mãe Luíza ainda mantinha relações comunitárias como elemento de suas relações cotidianas. Eu sou nascida e criada em Mãe Luíza, então a gente percebia que pessoas que vinham lá de baixo, que é como a gente chamava as pessoas que não eram de Mãe Luíza, faziam uns comentários como ‘o pessoal de Mãe Luíza é diferente… parecem uns índios, todo mundo ajuda todo mundo’. A gente percebia isso no dia a dia e percebia no discurso de quem era de fora do bairro”, revela Fernandes.
Os próprios moradores de Mãe Luíza decidiram através de Convenções de Bairro que o local deveria receber uma das escolas do projeto “Campanha de pé no chão também se aprende a ler”. Eles propuseram e organizaram um programa de governo para o município durante as eleições para prefeito de 1960, apontando a escola como meta número um para erradicação do analfabetismo na cidade de Natal.
“Também há um elemento de resistência, de moradores que buscam solucionar os problemas que lhes aflige. A atividade do centro sócio pastoral como elemento agregador, potencializador das lutas da comunidade, permanece lá, embora seu mentor, o padre Sabino, tenha falecido já há 16 anos. Por essas características comunitárias, o bairro acaba pautando as temáticas das periferias como, por exemplo, os espaços de vivência dentro da própria comunidade: a Arena do Morro, a existência de uma Filarmônica composta por criança, adolescentes e jovens do próprio bairro. É uma mostra de que os moradores do bairro querem se desenvolver, ter acesso à cultura e esporte”, revela a pesquisadora.

Durante o trabalho de levantamento histórico, Aparecida Fernandes chegou a conversar com uma moradora que chegou ao bairro em 1947. Mas, além da história oral, a pesquisadora também teve acesso a documentos que ajudaram nessa reconstituição da história do bairro.
“Durante esse percurso pude confrontar esses depoimentos [dos moradores] com os livros de tombo da Igreja Santa Terezinha, porque ali era tudo de uma paróquia só, que era a Santa Terezinha. Os livros de tombos eram verdadeiros diários dos padres, que estavam presentes ali desde o início, sobre o que tinha acontecido. Então tinha relato de quem tinha subido o morro, dia tal, o que encontrou, o que foram fazer lá, algumas caracterizações, nomes de pessoas. A partir daí, fui comparando esses documentos com os depoimentos que já tinha colhido das pessoas mais velhas de Mãe Luíza e, junto com outros documentos, fui refazendo o percurso desse processo histórico”, adianta Aparecida.

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