Governo do RN sanciona Estatuto da Igualdade Étnico Racial em busca de superar racismo
Proposta pela deputada estadual Isolda Dantas (PT), o Estatuto Estadual de Promoção da Igualdade Étnico Racial virou lei nesta quarta-feira (30) e foi sancionado pela governadora Fátima Bezerra (PT). Tratando de temas como saúde, educação, cultura, liberdade religiosa, emprego, renda e moradia, o objetivo é ser um documento amplo que ampare a comunidade negra.
Um dos propósitos é “abranger uma multiplicidade de temas e de áreas que não são cobertas por outras legislações, e mesmo de reunir algumas legislações que já existem mas que não estão sistematizadas no estatuto”, explica Saulo Cavalcante, membro do Coletivo Enegrecer e um dos formuladores do texto.
Cavalcante, além de integrante do Enegrecer, era parte também do Conselho Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial/RN (Conseppir). O fim da sua gestão e o início da nova aconteceu junto à sanção da lei. Para ele, o arcabouço jurídico foi ampliado em outros assuntos, “sobretudo nos temas relativos ao acesso à terra, ao combate à intolerância religiosa e ao racismo religioso”.
Ao longo da elaboração, a proposta contou com a colaboração dos movimentos quilombolas, ciganos, indígenas, povos de matriz africana, ameríndios e povo negro em geral, “que culmina, por exemplo, nesses temas do acesso do emprego, da renda, da abertura de linhas de crédito”, diz Saulo.
Depois de ser sancionado, o próximo passo é que a lei seja efetivamente aplicada pelo Governo estadual, com dispositivos e regramentos que vão regulamentar o estatuto. “Ele dá um horizonte para a administração, para a gestão estadual, de caminhos a se seguirem, de programas e projetos a serem desenvolvidos”, aponta.
De acordo com a deputada Isolda Dantas, a proposição representa mais uma vitória para a comunidade negra. “Depois da conquista da cota de 20% para negros e negras nos concursos públicos do RN – lei nossa – no ano passado, a sanção do estatuto é mais um passo que temos orgulho de dar, junto ao povo negro, de terreiro, quilombola, indígena e cigano, por um RN mais igual”, afirma.
Renato Santos, secretário de combate ao racismo do PT e articulador do processo de construção do Estatuto junto aos movimentos, foi outro colaborador. Segundo ele, a elaboração contou com a participação de diversas pessoas e comunidades diferentes.
“A gente fazia diversas reuniões, diversos encontros com o movimento social para que a gente pudesse melhorar esse texto a partir da realidade dos sujeitos que seriam afetados por essa lei, porque o saber técnico não pode se sobrepor à realidade do sujeito. Tem que ser mediada entre as duas perspectivas e foi isso que a gente fez durante esse um ano”, aponta.
Ao longo do processo, foram ouvidas mais de 200 lideranças de todos os territórios, até a aprovação pela ALRN sem nenhuma alteração, e sancionada pelo Governo sem nenhum veto.
“O estatuto parte do pressuposto de que a gente, as populações negras, indígenas, quilombolas, têm demandas específicas e o Estado precisa assumir a sua responsabilidade no sentido de resolver essas demandas que foram historicamente excluídas em nossas legislações”, analisa.
“Então a gente tem uma série de legislações que falam sobre a questão da educação, que falam sobre a questão da saúde, que falam sobre a questão da segurança pública, mas todas são perspectivas universalistas, ou seja, tratam todo mundo como se todo mundo fosse igual, mas a gente precisa muito que o Estado reconheça que não somos todos iguais e que é preciso tratar diferentes desiguais, no sentido justamente de resolver esses problemas históricos que foram estruturados pelo racismo”, avisa.
Poder público contra a discriminação
Dentro dos temas transversais tratados pela lei, também está presente o olhar atento às discriminações e ao preconceito no Estado. Um dos artigos trata sobre o fim da violência policial, sob responsabilidade do Poder Executivo, “mediante implementação de medidas específicas, especialmente para combater o extermínio das juventudes.”
Outro trecho trata de “ações de ressocialização e proteção das juventudes que estejam em conflito com a lei e expostas a experiências de exclusão social.”
Segundo o membro do Coletivo Enegrecer, as punições aos crimes de racismo são importantes, mas o processo também é visto sob outra ótica. “O sentimento que se tem hoje nos movimentos enxerga que a promoção da igualdade racial está muito mais vinculada a ações afirmativas. O papel do Estado seria de proteger e garantir esses direitos, do que necessariamente voltados a questões de como coibir”, pontua Saulo.
Ainda assim, destaca o ex-conselheiro, o apoio às vítimas de preconceito racial também está presente na lei. Um capítulo trata sobre a Ouvidoria Geral dos Direitos Humanos e acesso à Justiça; outro, sobre combate ao racismo institucional.
“Denúncias de preconceito e discriminação étnico-racial ocorridos no Estado do Rio Grande do Norte, serão enviadas, sem prejuízo do encaminhamento a outros órgãos, à Ouvidoria-Geral dos Direitos Humanos, vinculada à Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH)”, destaca a lei.
O texto demorou cerca de um ano para ser formulado, por meio de estudos e discussões com os movimentos sociais. Ele foi proposto em 5 de julho por Dantas e aprovado na Assembleia Legislativa em 22 de novembro, por unanimidade.