Operação resgata 12 potiguares de trabalho análogo à escravidão em Roraima
Natal, RN 24 de abr 2024

Operação resgata 12 potiguares de trabalho análogo à escravidão em Roraima

22 de dezembro de 2022
7min
Operação resgata 12 potiguares de trabalho análogo à escravidão em Roraima

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Uma operação resgatou 12 trabalhadores do Rio Grande do Norte que estavam submetidos a condições análogas à escravidão em uma pedreira no município de São João da Baliza, Roraima. Todos eles eram de São Gonçalo do Amarante, região metropolitana de Natal. Sem banheiro, os homens faziam as necessidades no mato. No alojamento em que dormiam, ainda circulavam galinhas. Todos já retornaram à São Gonçalo do Amarante.

A ação recebeu o nome de Operação Caqueado. Como estratégia para retenção dos trabalhadores no local de trabalho, somente a passagem de vinda para Roraima era custeada pelo empregador. Outras três pessoas ainda foram resgatadas em Alto Alegre, no mesmo Estado.

Os trabalhadores potiguares quebravam manual e artesanalmente pedras para fabricação de paralelepípedos, utilizados em obras de construção civil pesada em Roraima. A pedreira onde os trabalhos eram feitos não era autorizada pelo órgão ambiental estadual, nem pela Agência Nacional de Mineração e os envolvidos na exploração da atividade econômica não recolhiam os devidos tributos sobre o minério comercializado.

No local, os trabalhadores tinham duas estruturas para alojamento. O barracão era em chão batido com estrutura de madeira, cobertura de lona e folhas de palmeira, sem paredes, portas ou janelas, expondo os trabalhadores a intempéries, e ao risco de acidentes com animais peçonhentos e insetos. Eles dormiam em redes, e no meio circulavam galinhas e filhotes.

No barracão principal viviam 10 pessoas, e o local era destinado ao repouso coletivo, à guarda de alimentos, ao preparo e tomada e de refeições. Sem banheiro, os trabalhadores precisavam fazer suas necessidades no mato. Segundo o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), um dos responsáveis pela operação, havia ainda o risco de acidentes com animais da mata, como cobras, aranhas e escorpiões. O banho era feito numa estrutura envolta por lonas, com água coletada de um poço e com baldes reaproveitados de embalagens de óleo.

Sem banheiro, sem água própria para consumo e dormindo em meio a galinhas

Alguns dos trabalhadores estavam no local há mais de dois anos, e outros eram recentes, tendo chegado entre três e seis meses. De acordo com o coordenador da operação, Paulo Warlet, os homens sabiam que enfrentariam parte daquelas condições quando viajassem.

“Aparentemente, eles se sujeitavam voluntariamente àquelas condições. Não sei se exatamente todas, porque era bastante precária. Não havia, por exemplo, banheiro, então acho pouco provável que um trabalhador aceite placidamente trabalhar e morar num lugar sem banheiro por dois anos. Em relação às condições de trabalho e o fato de não ter registro, nenhum deles apontou que houvesse sido enganado, até porque se fosse caracterizaria o crime de aliciamento de trabalhadores. Essa situação não se confirmou, então eles aparentemente sabiam, talvez não com todos os detalhes, das condições que eles seriam mantidos naquela pedreira”, explica.

Galinhas circulando sobre o jirau (área destinada à higienização dos utensílios destinados à alimentação humana) | Foto: divulgação/GEFM

Sem carteira de trabalho, eles recebiam salário, mas sem um valor fixo. O valor era honrado mensalmente, segundo Walet.

“Eles recebiam R$ 0,60 centavos por pedra cortada, e cada um cortava entre três e cinco mil pedras por mês, o que lhes propiciava um salário razoável da ordem de R$ 2.500 a R$ 3.500”, disse.

Mesmo recebendo dinheiro, afirma o coordenador, a caracterização do trabalho análogo à escravidão observa outras condições.

“Existem algumas normas de segurança do trabalho que têm que ser observadas. A ausência de algumas delas contextualmente analisadas levam à conclusão de trabalho escravo. Então, por exemplo, lá eles eram mantidos dormindo em condições indignas. Era uma barraca sem paredes, coberta por uma lona plástica que sobreaquecia aquele ambiente. Não havia camas para todos. Não havia banheiros, isso é muito grave, porque haver um banheiro precário é uma coisa, não haver banheiro a gente entende que fere o princípio da dignidade da pessoa humana que a Constituição agasalha”, comenta o auditor-fiscal do trabalho.

“A água era imprópria para consumo, retirada de um poço aberto coberto de vegetação. Provavelmente havia infestação de coliformes totais pela decomposição de matéria orgânica. Então sem água, sem banheiro, dormindo em condições muito precárias, isso por si só já caracterizaria as condições análogas da escravidão”, alerta. 

Os 12 potiguares receberam R$105.697,14 em verbas salariais e rescisórias. Em paralelo, os auditores-fiscais do trabalho emitiram as guias de Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, pelas quais cada um dos resgatados receberá três parcelas de um salário-mínimo (R$ 1.302,00) cada.

O Ministério Público do Trabalho firmou, ainda, um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o empregador, prevendo o pagamento de R$ 10 mil em danos morais aos trabalhadores, totalizando R$ 120 mil.

Local para banho improvisado pelos trabalhadores | Foto: divulgação/GEFM

Em outra cidade de Roraima, operação resgatou mais três pessoas

A operação Caqueado ainda retirou três trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho e alojamento na reforma de uma ponte de vicinal, no interior de Alto Alegre, Roraima. Destes, dois eram migrantes da Venezuela, sendo um menor de idade e sua mãe. O adolescente, calejado e descalço, usava uma camiseta suja do Brasil e bermuda.

O trabalho dos três consistia em transportar toras de madeira e usar frequentemente motosserras, guincho e marretas, sem qualquer proteção efetiva. Os trabalhadores foram alojados num barracão de madeira, com piso de terra com cascalho, coberto por uma lona azul, sem paredes nem portas que os protegessem integralmente das intempéries. O resgate foi feito em 10 de dezembro.

Meno, de 16 anos realizava trabalhos pesados, com risco de acidentes, com consequências como fraturas e morte por afogamento | Foto: divulgação/GEFM

Nesta cidade, também não havia banheiro para os trabalhadores e eles tinham que fazer necessidades no mato. O alojamento não tinha portas nem janela e era situada em área de acesso a garimpos clandestinos, onde circulam pessoas armadas

A operação foi feita pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), coordenada por auditores-fiscais do trabalho, com participação da Polícia Rodoviária Federal e do Ministério Público do Trabalho. A operação foi batizada em homenagem ao ex-servidor do Ministério do Trabalho, Aldir Morais, falecido em 2020, que era conhecido como “Caqueado” e participava das operações de combate ao trabalho escravo da Superintendência Regional do Trabalho em Roraima.

Em novembro, mais 28 potiguares foram resgatados em laranjal de SP

No início de novembro, um grupo de trabalhadores potiguares denunciou que estava submetido a trabalho análogo à escravidão em um laranjal, no município de Ubirajara, em São Paulo. Vinte e seis homens e duas mulheres deixaram o município de Guamaré, no Rio Grande do Norte, chegando à fazenda no dia 28 de setembro. Diante de péssimas condições, conseguiram retornar no dia 5 de novembro, após pedirem ajuda aos conterrâneos. 

Segundo os trabalhadores, lhes foram prometidos um salário mínimo mensalmente. Ao chegarem lá, tiveram que custear despesas como aluguel, luz, água e alimentação, e ainda sofrendo descontos nos salários por atestados médicos contestados.

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