Quando não está estudando, se organizando politicamente ou mobilizando a estudantada, ela gosta de estar entre amigos, ouvindo um pagode, com cerveja e espetinho. Essa poderia ser a descrição de qualquer jovem universitária, no auge dos seus 28 anos. Mas para Luh Vieira, primeira travesti a presidir uma União Estadual de Estudantes, é muito mais.
A estudante do 6º período de Letras – Língua Inglesa da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) foi eleita presidenta da União Estadual de Estudantes do Rio Grande do Norte com 70% dos votos válidos. A eleição ocorreu durante o 2º Congresso da UEE/RN, que aconteceu em Mossoró, na Escola Estadual Professor Abel Freire Coelho, nesse fim de semana.
Filha de militar e cidadã do Brasil, Luh é natural do Ceará, mas já morou em Belém e no Rio de Janeiro. Foi na capital carioca, quando fazia o cursinho pré-vestibular popular da Universidade Federal Fluminense (UFF), que teve seu primeiro contato com o movimento estudantil organizado.
“Naquele momento eu já me encantei com o movimento estudantil. Muitos professores eram de centros acadêmicos e aquilo me marcou”, conta a estudante.
Quando se mudou para Mossoró, há oito anos atrás, Luh levou o exemplo e o desejo de fazer parte de movimentos transformadores. Foi, também, quando ingressou no curso de Letras – Língua Inglesa da UERN. Na época, o curso não contava com um centro acadêmico e essa foi a primeira iniciativa de Luh, junto com colegas de curso, na universidade.
“Nós organizamos o centro Acadêmico em todos os aspectos, desde a parte física. Na época, foi uma luta até para conseguirmos uma sala. E para estudantes como eu, que passam o dia inteiro na universidade, isso faz toda a diferença. Mas é muito além disso: o centro acadêmico existe para lutar e garantir os direitos dos estudantes”, conta a presidenta eleita da UEE/RN.
Foi também na capital do Oeste potiguar que Luh Vieira se aproximou dos movimentos sociais. Participou do Movimento Pau de Arara, em 2015, que lutava por melhorias no transporte público e contra o aumento das passagens. Hoje filiada ao Partido dos Trabalhadores, ela integra o Movimento Kizomba, o Coletivo Nacional Enegrecer e a Marcha Mundial de Mulheres.
Pautas de vida que atravessam e se encontram na jovem militante, negra e que se reconheceu travesti há cerca de quatro anos.
“A gente conversava muito sobre questões de negritude, LGBT’s, mulheres e você vai vendo muito da sua realidade nisso, quando a gente conversa com uma outra pessoa que também passa por isso e que também tem vontade de mudar o mundo. Aí você vê que você não está só. Foi um momento muito decisivo na minha vida”, conta emocionada recordando de exemplos que a inspiraram, como Pluvia Oliveira, então coordenadora do Diretório Central das e dos Estudantes (DCE) da UERN.
A partir daí, Luh participou de duas gestões do DCE – na primeira, como diretora de Negros e Negras. Nessa oportunidade, esteve à frente do 2º Encontro de Negros, Negras e Cotistas da UERN com o tema “Meu Quilombo, meu lugar: a UERN ninguém nos tira!” e encampou a luta pela comissão de heteroidentificação da universidade.
“Tudo isso mudou a minha vida. Antes, eu era muito sozinha, não tinha muitos amigos. Foi só depois de atuar mais em movimentos que eu entendi o valor da coletividade para as nossas vidas. Por estar construindo esse outro mundo com pessoas que também acreditam nisso com você. A gente consegue mudar a nossa história, a história das pessoas ao nosso redor, quando a gente age em coletivo”, conclama.
No início desse ano, Luh Vieira assumiu a Secretaria Geral da da UEE/RN e teve o desafio de organizar o congresso da entidade. Desde então, vinha sendo estimulada por amigos e companheiros de luta a lançar sua candidatura. Mas ela conta que, até o dia do congresso, ainda estava relutante em aceitar colocar seu nome à disposição.
“Eu sempre me vi mais nos bastidores, mobilizando a estudantada. Mas a nossa candidatura surgiu como uma necessidade coletiva e foi, também, fruto de muito diálogo com outros grupos organizados, como a União da Juventude Socialista, o Levante Popular da Juventude, a Juventude Socialista Brasileira e toda a juventude do PT”, explica a estudante.
De acordo com Luh Vieira, sua eleição representa uma resposta ao cenário de retirada de direitos e perseguição vivido hoje pela juventude negra e periférica do Brasil.
“A gente tem conversado muito, coletivamente. E a nossa bandeira de luta é ancorada em três segmentos: mulheres, negros e negras e LGBT’s. Porque, quando você olha a universidade, ela ainda não é pintada com essas cores. Mas a sociedade é feita majoritariamente por essas pessoas. Por isso, queremos fazer um plano institucional de combate à violência e, também, de promoção da igualdade racial”, pontua a jovem militante.
Para ela, num país em que a expectativa de vida das travestis é de apenas 33 anos, chegar aos 28 viva, no ensino superior e ocupando os espaços de decisão já é uma vitória.
“A ficha ainda está caindo. Ontem, quando cheguei em casa depois do fim de semana intenso de congresso, chorei um pouco antes de dormir. Hoje, quando acordei, mais um pouco. A verdade é que é muito gratificante ter chegado até aqui. Eu nunca pensei que isso fosse possível”, desabafa Luh Vieira, presidenta eleita para a UEE/RN.
Refundada há quatro anos, a UEE/RN representa 120 mil estudantes universitários da graduação, de instituições públicas e privadas.