“Aborto ilegal expõe mulher a risco evitável e tem maior custo para SUS”, alerta integrante de movimento feminista
Natal, RN 25 de abr 2024

“Aborto ilegal expõe mulher a risco evitável e tem maior custo para SUS”, alerta integrante de movimento feminista

11 de janeiro de 2023
6min
“Aborto ilegal expõe mulher a risco evitável e tem maior custo para SUS”, alerta integrante de movimento feminista

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Um casal foi detido em Assú, nesta terça (10), depois que um feto abortado foi encontrado em um ônibus na cidade de Mossoró. A mulher, que desembarcou em Assú para procurar atendimento médico na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), admitiu que provocou um aborto espontâneo através do uso de medicamento. O casal também contou aos policiais civis que atuaram no caso que os dois tiveram ajuda de uma terceira pessoa.

Para além do julgamento moral, a arquiteta e integrante do Coletivo Leila Diniz em Natal, Cláudia Gazola, explica que o aborto feito de maneira ilegal traz riscos que poderiam ser evitados. Além disso, realizado de maneira insegura, também acaba saindo mais caro para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Quando se fala em legalização do aborto, queremos dizer que o aborto é parte de um conjunto de direitos sexuais e reprodutivos. A omissão das políticas públicas agrava a situação de saúde dessas mulheres. Se feito seguindo as recomendações técnicas da OMS (Organização Mundial da Saúde), o aborto pode ser bastante seguro. Os custos e riscos poderiam ser baixos, caso fosse legalizado. O procedimento sequer depende de internação. O Brasil realiza abortos seguros seguindo essas recomendações nos casos previstos em lei. No entanto, quando feito de forma insegura, o aborto pode trazer uma série de consequências para as mulheres, que vão de danos para a capacidade reprodutiva à morte. A omissão das políticas da saúde expõe mulheres a um risco totalmente desnecessário e facilmente evitável. O custo disso é alto para o sistema de saúde do país”, esclarece.

O casal detido em Assú foi levado para delegacia e liberados depois de pagar fiança. Cláudia Gazola lembra que, em 2018, o Ministério da Saúde estimou ter gasto na década anterior quase R$ 500 milhões para tratar consequências de abortos inseguros. O tema, tratado como questão de saúde pública em muitos países, tem sido encarado com certo receio no Brasil, onde uma onda conservadora tem influenciado o debate público.

Claudia Gazola I Foto: cedida
Claudia Gazola I Foto: cedida

É importante compreender quem são as mulheres que, em algum momento de suas vidas, recorrem à interrupção da gravidez. Longe de estereótipos, elas são mulheres comuns, mães, irmãs, tias, primas, amigas, professam alguma fé, enfim, mulheres que fazem parte do nosso convívio. Significa dizer que o aborto é um caso de saúde pública muito frequente e não recebe a atenção das políticas existentes, mesmo quando esse direito é garantido por lei”, critica Gazola, que também é educadora popular e militante feminista da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).

Em junho do ano passado, a juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, perguntou a uma menina estuprada de 11 anos se ela “suportaria ficar mais um pouquinho” com a gestação, na tentativa de induzir a menina de levar a gravidez por mais tempo, ao invés de garantir o direito de realizar um aborto, como está garantido na lei às vítimas de abusos sexuais.

Falar sobre aborto é falar sobre a autonomia das mulheres, maternidade não é um destino, mas uma escolha. A educação sexual é fundamental. Devemos conversar sobre sexo e contracepção abertamente nas escolas, nas igrejas e nas famílias. Se todos os homens sempre usassem preservativos, o aborto seria reduzido drasticamente. A responsabilidade dos homens contribuiria muito mais para a diminuição dos abortos no país do que a criminalização. Não se trata de uma discussão moralista de base religiosa e sim de uma política mais ampla de saúde pública”, defende Cláudia Gazola.

Uma dos argumentos utilizados por grupos, principalmente de fundamentação religiosa, que são contra a legalização do aborto seguro enquanto política pública é a questão da “defesa da vida”.

Não existe consenso na ciência e nem entre as religiões.  Legalizar o aborto implica o arbítrio do Estado frente um dilema ético. Como seres éticos e políticos, nós, mulheres feministas, defendemos legalizar o aborto sempre por livre decisão da mulher, nas seguintes condições: realizado com até a 12 semana de gestação; e até a 20ª semana de gravidez quando a gestação decorre de violência sexual, considerando o drama que é descobrir-se tardiamente grávida após um ato sexual forçado, com um criminoso e tendo legítima repulsa a esta situação; além do direito garantido a qualquer momento em casos de graves riscos à saúde e vida da mulher gestante. Nesta defesa, não reduzimos vida à vida biológica. Nossa opção é pela vida em plenitude já presente na mulher, em detrimento da vida em potencial que está sendo gestada em seu corpo”, detalha a arquiteta e integrante do Coletivo Leila Diniz em Natal.

Apesar do atual momento, com a chegada do presidente Lula à presidência da República e um novo direcionamento do debate público, o assunto ainda deve continuar sendo explorado de maneira demagógica.

Não acredito que será fácil. O cenário aponta o recrudescimento do conservadorismo na política e na sociedade. Na atual conjuntura, onde o Estado brasileiro, há menos de um mês, ameaçou aprovar o estatuto do nascituro, esse debate é urgente! O controle sobre nossos corpos é constante. As mulheres precisam ter autonomia sobre seus corpos. A maternidade só é plena se voluntária, livre e desejada. A maternidade só é justa se compreendida como função social, pelo Estado, que tem a obrigação de assumir sua parte nesta responsabilidade garantindo políticas públicas universais com qualidade para que as mulheres vivenciem com bem-estar a gestação, o parto e o puerpério e a interrupção da gravidez. Nenhuma mulher deve ser impedida de ser mãe! Nenhuma mulher deve ser obrigada a ser mãe!”, conclui Cláudia Gazola.

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