“Aborto ilegal expõe mulher a risco evitável e tem maior custo para SUS”, alerta integrante de movimento feminista
Um casal foi detido em Assú, nesta terça (10), depois que um feto abortado foi encontrado em um ônibus na cidade de Mossoró. A mulher, que desembarcou em Assú para procurar atendimento médico na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), admitiu que provocou um aborto espontâneo através do uso de medicamento. O casal também contou aos policiais civis que atuaram no caso que os dois tiveram ajuda de uma terceira pessoa.
Para além do julgamento moral, a arquiteta e integrante do Coletivo Leila Diniz em Natal, Cláudia Gazola, explica que o aborto feito de maneira ilegal traz riscos que poderiam ser evitados. Além disso, realizado de maneira insegura, também acaba saindo mais caro para o Sistema Único de Saúde (SUS).
“Quando se fala em legalização do aborto, queremos dizer que o aborto é parte de um conjunto de direitos sexuais e reprodutivos. A omissão das políticas públicas agrava a situação de saúde dessas mulheres. Se feito seguindo as recomendações técnicas da OMS (Organização Mundial da Saúde), o aborto pode ser bastante seguro. Os custos e riscos poderiam ser baixos, caso fosse legalizado. O procedimento sequer depende de internação. O Brasil realiza abortos seguros seguindo essas recomendações nos casos previstos em lei. No entanto, quando feito de forma insegura, o aborto pode trazer uma série de consequências para as mulheres, que vão de danos para a capacidade reprodutiva à morte. A omissão das políticas da saúde expõe mulheres a um risco totalmente desnecessário e facilmente evitável. O custo disso é alto para o sistema de saúde do país”, esclarece.
O casal detido em Assú foi levado para delegacia e liberados depois de pagar fiança. Cláudia Gazola lembra que, em 2018, o Ministério da Saúde estimou ter gasto na década anterior quase R$ 500 milhões para tratar consequências de abortos inseguros. O tema, tratado como questão de saúde pública em muitos países, tem sido encarado com certo receio no Brasil, onde uma onda conservadora tem influenciado o debate público.
“É importante compreender quem são as mulheres que, em algum momento de suas vidas, recorrem à interrupção da gravidez. Longe de estereótipos, elas são mulheres comuns, mães, irmãs, tias, primas, amigas, professam alguma fé, enfim, mulheres que fazem parte do nosso convívio. Significa dizer que o aborto é um caso de saúde pública muito frequente e não recebe a atenção das políticas existentes, mesmo quando esse direito é garantido por lei”, critica Gazola, que também é educadora popular e militante feminista da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
Em junho do ano passado, a juíza Joana Ribeiro Zimmer, de Santa Catarina, perguntou a uma menina estuprada de 11 anos se ela “suportaria ficar mais um pouquinho” com a gestação, na tentativa de induzir a menina de levar a gravidez por mais tempo, ao invés de garantir o direito de realizar um aborto, como está garantido na lei às vítimas de abusos sexuais.
“Falar sobre aborto é falar sobre a autonomia das mulheres, maternidade não é um destino, mas uma escolha. A educação sexual é fundamental. Devemos conversar sobre sexo e contracepção abertamente nas escolas, nas igrejas e nas famílias. Se todos os homens sempre usassem preservativos, o aborto seria reduzido drasticamente. A responsabilidade dos homens contribuiria muito mais para a diminuição dos abortos no país do que a criminalização. Não se trata de uma discussão moralista de base religiosa e sim de uma política mais ampla de saúde pública”, defende Cláudia Gazola.
Uma dos argumentos utilizados por grupos, principalmente de fundamentação religiosa, que são contra a legalização do aborto seguro enquanto política pública é a questão da “defesa da vida”.
“Não existe consenso na ciência e nem entre as religiões. Legalizar o aborto implica o arbítrio do Estado frente um dilema ético. Como seres éticos e políticos, nós, mulheres feministas, defendemos legalizar o aborto sempre por livre decisão da mulher, nas seguintes condições: realizado com até a 12 semana de gestação; e até a 20ª semana de gravidez quando a gestação decorre de violência sexual, considerando o drama que é descobrir-se tardiamente grávida após um ato sexual forçado, com um criminoso e tendo legítima repulsa a esta situação; além do direito garantido a qualquer momento em casos de graves riscos à saúde e vida da mulher gestante. Nesta defesa, não reduzimos vida à vida biológica. Nossa opção é pela vida em plenitude já presente na mulher, em detrimento da vida em potencial que está sendo gestada em seu corpo”, detalha a arquiteta e integrante do Coletivo Leila Diniz em Natal.
Apesar do atual momento, com a chegada do presidente Lula à presidência da República e um novo direcionamento do debate público, o assunto ainda deve continuar sendo explorado de maneira demagógica.
“Não acredito que será fácil. O cenário aponta o recrudescimento do conservadorismo na política e na sociedade. Na atual conjuntura, onde o Estado brasileiro, há menos de um mês, ameaçou aprovar o estatuto do nascituro, esse debate é urgente! O controle sobre nossos corpos é constante. As mulheres precisam ter autonomia sobre seus corpos. A maternidade só é plena se voluntária, livre e desejada. A maternidade só é justa se compreendida como função social, pelo Estado, que tem a obrigação de assumir sua parte nesta responsabilidade garantindo políticas públicas universais com qualidade para que as mulheres vivenciem com bem-estar a gestação, o parto e o puerpério e a interrupção da gravidez. Nenhuma mulher deve ser impedida de ser mãe! Nenhuma mulher deve ser obrigada a ser mãe!”, conclui Cláudia Gazola.