Os acontecimentos de 8 de janeiro resultam de um processo que tem nas jornadas de 2013 um de seus marcos
Natal, RN 28 de mar 2024

Os acontecimentos de 8 de janeiro resultam de um processo que tem nas jornadas de 2013 um de seus marcos

29 de janeiro de 2023
7min
Os acontecimentos de 8 de janeiro resultam de um processo que tem nas jornadas de 2013 um de seus marcos

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Uma marca da marcha do crescimento da influência e atuação da extrema direita e do extremismo político fanatizado no Brasil”. É assim que o cientista social João Bosco de Araújo Costa, professor do Instituto Humanitas de Estudos Integrados, avalia as manifestações que ganharam as ruas de todo o Brasil em junho de 2013.

Coordenador da Base de Pesquisa Poder Local, Desenvolvimento e Políticas Públicas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Bosco explica como um movimento local, surgido há dez anos contra o aumento da passagem de ônibus na capital potiguar, ganhou a dimensão nacional e uma multiplicidade de pautas.

Foi possível por já existir na sociedade, desde a redemocratização, o discurso da criminalização da política e dos atores políticos, vista como atividade em si corrupta e praticantes de interesses desonestos. Foi esse caldo de cultura que permitiu que um movimento com uma pauta municipal, a passagem do ônibus público, se transformasse numa avalanche nacional sem pauta definida e dominado pelo discurso da criminalização da política e pela demagogia do discurso antipolítica”, afirmou o professor.

A partir desta publicação, a Agência Saiba Mais vai ouvir diferentes especialistas, estudiosos e movimentos para discutir o que representou o movimento potiguar que ficou conhecido como a “Revolta do Buzão” e que culminou nas “Jornadas de Junho”, iniciada na noite do dia 17 de junho de 2013, quando cerca de 250 mil pessoas foram às ruas em 12 cidades do país com tantas demandas que não cabiam em cartazes.

A relação é clara entre as tais jornadas de 2013, o impeachment através do golpe parlamentar da Dilma e a eleição de Bolsonaro com o cenário de destruição das democracias, das políticas públicas e das conquistas que vinham acontecendo desde a constituição de 88”, pontua Bosco. Para ele, “os acontecimentos de 08 de janeiro foi a culminância de um processo que tem nas tais jornadas de 2013 um de seus marcos iniciais”.

Confira na íntegra a primeira entrevista da séria, com o cientista social João Bosco Araújo.

Saiba Mais: As Jornadas de Junho de 2013 tiveram origem na capital potiguar, em protestos contra o aumento das passagens de ônibus. O que foi este acontecimento? Como passamos de um movimento local, com a pauta de transporte, para uma multiplicidade de pautas políticas das manifestações de Junho de 2013 (transporte, educação, moradia, meio ambiente) e uma radical polarização (petralhas versus coxinhas)?

João Bosco Araújo: As chamadas “jornadas de junho” são uma marca da marcha do crescimento da influência e atuação da extrema direita e do extremismo político fanatizado no Brasil. Foi possível por já existir na sociedade, desde a redemocratização, o discurso da criminalização da política e dos atores políticos, vista como atividade em si corrupta e praticantes de interesses desonestos. Foi esse caldo de cultura que permitiu que um movimento com uma pauta municipal, a passagem do ônibus público, se transformasse numa avalanche nacional sem pauta definida e dominado pelo discurso da  criminalização da política e pela demagogia do discurso antipolítica.

Saiba Mais: Olhando Junho de 2013 desde dois ângulos, da época de sua eclosão e vista desde o presente, como poderíamos compreender o movimento?

João Bosco Araújo: Além da pauta difusa, na verdade uma não pauta, que nasce como uma reivindicação relacionada ao transporte público, tivemos também em 2013 as manifestações contra a realização da copa do mundo, isso foi criando um caldo de cultura dirigido contra os governos de centro-esquerda que promoveram a década de maior desenvolvimento inclusivo no país. A característica principal destes movimentos foi a significativa presença de jovens. Desde seu início a narrativa da criminalização da política esteve sempre presente. A criminalização da política é sempre o discurso contra a democracia, os atores e instituições que compõe.

Saiba Mais: De que ordem são as relações que se podem estabelecer entre as Jornadas de Junho, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e, cinco anos mais tarde, a eleição de Bolsonaro?

João Bosco Araújo: São parte de um mesmo processo de oposição ao desenvolvimento inclusivo e com distribuição de renda para as classes sociais que sempre estão excluídas e marginalizadas, através de amplas e diversificadas políticas públicas esses segmentos e classes sociais tiveram acesso a bens e direitos sociais antes interditados. A relação é clara entre as tais jornadas de 2013, o impeachment através do golpe parlamentar da Dilma e a eleição de Bolsonaro com o cenário de destruição das democracia, das políticas públicas e das conquistas que vinham acontecendo desde a constituição de 88.

Saiba Mais: Como avalia análises que ligam as Jornadas de Junho de 2013 à emergência de uma nova direita que ocupa as ruas para defender governos autoritários, especialmente no Brasil? O que há de consistente e frágil nessas aproximações?

João Bosco Araújo: As tais jornadas prepararam o terreno e construíram as condições para que uma extrema direita de massas ocupasse cada vez mais e de forma mais agressiva o espaço público. Foi um movimento equivocado no início e claramente reacionário e proto fascista logo a seguir, ancorado no discurso da criminalização da política. Preparou o terreno para a eleição de demagogos e picaretas de toda ordem com o discurso de “não sou político” e vou “combater a corrupção”. Se alguém quer combater a corrupção deve fazer concurso da polícia e ou ministério público. O político é para fazer política e não praticar o crime da corrupção é obrigação de toda/os cidadã/os.

Saiba Mais: Qual o impacto subjetivo das Jornadas de Junho na política brasileira?

João Bosco Araújo: O impacto subjetivo possível foi contribuir para a consolidação de uma subjetividade autoritária, antidemocrática, fanatizada e estúpida que quem culminou os atos de vandalismo do dia 08/0. Ou seja, ajudou na consolidação, como marco inicial e sua gênese, de uma subjetividade ancorada numa (in) cultura política antidemocrática e proto fascista radicalizada. Uma subjetividade ancorada em um medo imaginário do “comunismo”, das ciências, das conquistas das mulheres, afrodescendentes, LGBTQIA, negros entre outros mobilizados permanentemente.

Saiba Mais: Durante o governo Bolsonaro vivemos uma espécie de imobilização das ruas, mesmo diante de descalabros e afrontas graves aos direitos civis e humanos, incluindo aí recordes de assassinatos e violações às populações nativas. O que explica o silêncio das ruas? Onde estão as multidões de 2013?

João Bosco Araújo: Não tivemos mobilização de rua da oposição a Bolsonaro e suas ações de destruição das conquistas trabalhistas, da cidadania e da sociedade civil democrática nos últimos anos. Ou melhor tivemos de forma insuficiente e com pouco poder de mobilização e pressão. Mas tivemos o tempo todo, através de atos, lives e motociatas a extrema direita radicalizada e mobilizada.

Saiba Mais: O que resta de Junho de 2013 no Brasil de 2022?

João Bosco Araújo: Resta uma sociedade profundamente dividida entre um pluralidade de setores democráticos e uma direita e extrema direita radicalizada profundamente antidemocrática e mesmo anti conquistas da civilização. Os acontecimentos de 08 de janeiro foi a culminância de um processo que tem nas tais jornadas de 2013 um de seus marcos iniciais. Foi uma derrota de um golpe claramente em curso orquestrado por setores das forças armadas, empresariais e religiosos que so “deu errado” devido a extraordinária capacidade política do presidente Lula perceber o cenário possível e não utilizar a GLO.

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