OPINIÃO

Compartilhado com frequência

Por Cefas carvalho

Estudioso que sou – não acadêmica, mas empiricamente – da maneira como as pessoas se comunicam com as outras, observo nos tempos atuais um fenômeno, entre tantos outros, gerado e amplificado pelas redes sociais e principalmente pelo advento desta benção e praga chamada Whatsapp: o compartilhamento.

Ferramenta rápida e prática para se mandar para outra(s) pessoa(s) algo interessante e/ou importante que se recebeu, o compartilhamento se tornou um misto de excesso, obsessão e hábito. A princípio, a ideia parece boa: se eu recebo um conteúdo de qualidade, por que não enviá-los a amigos, parentes e conhecidos que possivelmente vão gostar do material? O problema reside justamente no fato de que esse conceito inicial do compartilhamento de conteúdo foi esquecido há tempos e substituído pela pressa, desinteresse e, apesar de ser antipático dizer, uma necessidade de protagonismo.

Antes de dar continuidade é necessário prevenir que não cabe a ninguém vestir a carapuça. Não falo aqui de compartilhamento de pessoas de nossos afetos, que nos conhecem pessoalmente, que antevêem nossos gostos e ódios, que sentam à mesa conosco, em café da manhã ou bar. Nada disso. Espinafro aqui neste texto o compartilhamento sem noção e/ou coletivo, como se a experiência de dividir algo recebido fosse uma urgência.

Isso é muito percebido nos (urgh) grupos de Zap, dor e delícia desses tempos. O dia começa com alguém compartilhando um conteúdo interessante e dentro do conceito do grupo. Acontece um debate sobre o tema em questão. Logo depois alguém compartilha um material menos relevante. Em seguida, outras pessoas começam a compartilhar conteúdo aleatório, algumas vezes até contrário ao espírito do grupo. O debate então se esvai. E outras pessoas começam a repetir os conteúdos compartilhados poucos antes, possivelmente porque não acompanham com atenção o grupo. E assim la nave va.

Outra coisa curiosa são os compartilhamentos que recebo (por zap, facebook e Instagram) de pessoas que não conheço, não sei quem são e jamais trocaram uma palavra comigo. Mas decidem que vou apreciar o conteúdo que elas mandam. E mandam diariamente. Piadas, tik tok, informações políticas, etc. Quase tudo conteúdo que eu já vi ou que não me interessa, pelo menos não no momento em que eu recebo. Pensei várias vezes em enviar mensagem perguntando porque a pessoa “me elegeu” para receber seu conteúdo, mas tenho medo que isso vire uma bola de neve e eu perca meu bem mais precioso, o tempo. Então deixo quieto. Mas é um mistério para mim esse comportamento.

Temos também os conteúdos que “viralizam”, ou seja, em internetês isso quer dizer que viram fenômenos de divulgação/visualização. Parece bom e talvez o seja. Mas o excesso é tão grande que na própria ferramenta do Zap vem a indicação: “Compartilhado com frequência”. Ou seja, se prepare que você vai receber aquilo dez, vinte, trinta vezes por dia. E como diria Nelson Rodrigues, é batata! Seja vídeos com Lula falando, piadas sobre Micheque, o calvo do Campari, gol do El Helal, acidente de trânsito, o que for. Recordo de conteúdos que recebi de pelo menos vinte pessoas queridas diferentes e mais uma dez vezes em grupos. Claro que nada disso é grave. Uma avó minha dizia que é melhor sobrar do que falar. Talvez. Mas outra avó vaticinava que tudo demais é muito! Quem sabe…

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