Uma cidade movediça
Natal, RN 28 de mar 2024

Uma cidade movediça

16 de março de 2023
3min
Uma cidade movediça

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Natal é uma cidade marcada pela impermanência. Onde o conservadorismo se veste de cosmopolitismo bilíngue. Acho que o termo "cidade movediça" consegue traduzir muito bem a sensação de viver nessa terra pouco firme. As coisas por aqui, possivelmente por estarem alicerçadas sobre dunas, costumam desmoronar muito cedo. Mas não desmoronam fazendo barulho ou alarde.

Tal qual as dunas que ainda estampam os cartões postais, as coisas aqui se desmancham lentamente. Mudam de forma, de lugar. O efeito do vento, dessa brisa de mar que ainda atravessa os espigões, é bem responsável por isso. A areia movediça, contudo, diferente das dunas secas, carrega em seu fenômeno a água. Outro traço comum dessa cidade, banhada por mar, rachada por um rio, cercada pela única coisa certa que iremos encontrar: o azul salgado e quente próprio deste lugar.

Dizem que a areia movediça - digo dizem pois nunca vi com estes olhos uma areia movediça, apenas uma cidade - engole tudo o que tenta resistir ao destino de ser envolto por ela. Se estiver andando sobre uma areia movediça só há uma coisa a se fazer: não se debata. Em um guia de sobrevivência pouco confiável, li que se deve manter a calma e pedir ajuda. Quando estiver só, com partes do corpo sendo engolidas por essa pasta de textura estranha, grite por ajuda. Uma das melhores formas de conseguir se salvar é contando com os outros.

Alguém pode buscar uma corda ou um galho e, com a ajuda de ainda mais gente, pode te puxar. Te arrancar dessa experiência sufocante. Poderá sentir novamente os membros paralisados, o sangue correndo pelas veias e o prazer de um simples suspiro aliviado.

Eu sei, eu sei... você está pensando que uma cidade e uma pessoa são coisas muito diferentes. Penso que nem tanto. A grande diferença dessa analogia errônea é que para tirar uma cidade do atoleiro dessa areia movediça é preciso de muito, muito, muito mais gente. É só pedir ajuda, a quem tá do lado. Quem sabe, em breve a gente possa deixar a cidade respirar novamente e dar um suspiro aliviado: o pior há de passar.

Só com um movimento amplo e coletivo de olhar para essa cidade de outra forma, apalpando-a e entendendo essa urbe própria e singular em seu nome e forma é que encontraremos os caminhos de transformar o defeito em efeito. Os ventos da mudança já estão soprando por aqui, ainda silenciosamente. Mas virá. Movendo dunas de lugar. E nos assumiremos como somos: uma cidade de antagonismos, uma província um pouco mais atualizada do que a dos escritos cascudianos.

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