A rede pública municipal de Educação de Jovens e Adultos (EJA) está ameaçada com uma política de redução do número de turmas pelo prefeito de Natal, Álvaro Dias. Desde 2007, a modalidade tem registrado uma queda constante nas matrículas, passando de pouco mais de 9 mil matrículas para 4.613 em 2021. Além disso, o número de escolas que oferecem a EJA também caiu de 31 para 23 em 2021, assim como o número de turmas, de 248 em 2007 para 144 em 2021.
Embora a Secretaria Municipal de Educação argumente que a baixa demanda justifica essa redução, a PNAD Contínua Anual (IBGE) revela um aumento no número de pessoas acima dos 14 anos sem instrução ou com menos de cinco anos de estudo. Em 2016, esse número era de 63 mil pessoas e em 2019 foi estimado em 84 mil. Ou seja, o poder público municipal matrícula menos de 5 mil de um universo de mais de 80 mil pessoas elegíveis para a EJA.
A EJA se destina àqueles e àquelas pessoas jovens e adultas que resolvem iniciar ou retomar seus estudos anteriormente interrompidos. “Estamos falando em geral de pessoas pobres, negras, que vivem em nossa periferias, que estão desempregadas, na expectativa de entrar no mundo do trabalho ou que já estão inseridas, na maioria dos casos em condições precárias, informais. Trazem consigo um histórico marcado por uma relação acidental com a escola, com repetidas entradas e saídas”, afirma Alessandro Augusto de Azevêdo, professor do Centro de Educação da UFRN.
Para o professor, a falta de procura por parte dos estudantes não pode ser responsabilizada por completo, uma vez que a Secretaria não realiza a Chamada Pública, prevista em lei, para chamar efetivamente as pessoas jovens e adultas interessadas em iniciar ou retomar seus estudos.
“Costumo dizer que a queda das matrículas reflete a má-fé institucional e a hipocrisia de gestores em relação à EJA. Dizem que os sujeitos não procuram a modalidade e, por isso, ocorre a queda na matrícula. Mas, na verdade, os poderes públicos, também, não realizam o mínimo constitucional que é realizar a Chamada Pública. Como esperar que alguém venha a um encontro para o qual não se foi chamado?”, questiona Alessandro.
Além disso, mesmo que a chamada fosse realizada, os estudantes encontrariam outros obstáculos, como currículos defasados e professores desmotivados. “E mesmo que se diga que deveria haver uma valorização da educação independentemente de qualquer coisa, devemos observar que elas já carregam uma subvalorização por terem saído da escola (normalmente por questões que fogem ao seu controle: trabalho, doença, pobreza, etc). E quando chegam na escola, normalmente, são vistos e tratados como aqueles que “não conseguiram”, que “não avançaram”…só negatividade”, avalia Alessandro.
O educador lembra que “a vida dessas pessoas é de total imprevisibilidade e o currículo da escola é pensado previsivelmente, isto é, esperam desses sujeitos frequência diária e uma dinâmica de estudos que até é possível com crianças e adolescentes, mas difícil para alguém que está “no corre” da sobrevivência”.
Alessandro integra um grupo de professores e professoras da rede municipal, empenhados em defender a EJA e que se organizaram recentemente em razão da ameaça de fechamento de novas turmas pela Prefeitura de Natal. “Sabemos que há, também, aqueles e aquelas que entendem que a educação não é direito para todos e, portanto, a oferta de EJA é dispensável. Essa tem sido a postura assumida pela gestão municipal de educação de Natal e de alguns diretores e diretoras de escola”, pontua Alessandro.
Para o grupo, é necessário expandir a oferta da EJA e implementar uma política municipal de educação para jovens e adultos, envolvendo uma diversidade de oferta, flexibilidade de tempo e currículo, uma política de recrutamento de profissionais, formação continuada, promoção de inserção qualificada no mundo do trabalho e valorização da arte e da cultura.
No próximo dia 18, haverá uma audiência da comissão da Câmara Municipal de Natal e a secretária municipal de educação deverá ser convocada para discutir o assunto. Na terça (11), às 7h, o Balbúrdia, programa de entrevistas do Saiba Mais no YouTube, pauta o tema numa conversa com Rayane Emanuelle de Oliveira Valentim, professora da rede pública municipal de Natal, e Alessandro Augusto de Azevêdo, professor do Centro de Educação da UFRN.