O estudo “Observando os Rios 2023”, realizado pela organização ambiental SOS Mata Atlântica, monitora 43 rios nordestinos e revelou que apenas a Lagoa do Bonfim, em Nísia Floresta, Rio Grande do Norte, possui índice de qualidade da água considerado bom.
Localizada no litoral sul do estado, Bonfim é a maior lagoa potiguar, com uma média de 83 milhões de metros cúbicos de água. O reservatório tem 300 quilômetros de extensão e pertence à região hidrográfica denominada Atlântico NE Oriental e ainda a um complexo lagunar composto por lagoas como Boa Água e Carcará.
O tamanho e outras características ajudam a manter a qualidade da água, de acordo com a técnica do Instituto de Gestão das Águas do Estado do Rio Grande do Norte (Igarn), Gláucia Luz.
“Costumam dizer que ela tem cinco pontas, que são pontos de referência. Tem locais que você quase não tem acesso à água, mas alguns são abertos e a população costuma fazer uso mais intenso. Mas de um modo geral, como é um volume de água muito grande, ela tem uma autodepuração grande [capacidade de restaurar suas características ambientais naturalmente]. Consideramos isso apesar de não receber tantos impactos como outros mananciais, como açudes em que a renovação é mais lenta e geralmente tem problemas”, detalha, lembrando que o local é ponto turístico e tem trechos em propriedades particulares.
Ainda sobre a autodepuração, ela explica que a lagoa recebe tanto a água da chuva, como tem aporte de água subterrânea, que aflora principalmente quando existe o processo de recarga do aquífero.
Segundo a Caern (Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte), a Lagoa do Bonfim é usada como captação da Adutora Monsenhor Expedito. Ainda no sistema está uma bateria de poços. As cidades atendidas pela Adutora Monsenhor Expedito são: Barcelona, Boa Saúde, Bom Jesus, Campo Redondo, Coronel Ezequiel, Ielmo Marinho, Jaçanã, Japi, Lagoa D`anta, Lagoa de Pedras, Lagoa de Velhos, Lagoa Salgada, Lajes Pintadas, Monte Alegre, Monte das Gameleiras, Passa e Fica, Rui Barbosa, Santa Cruz, Santa Maria, São Bento do Trairi, São José de Campestre, São Paulo do Potengi, São Pedro, São Tomé, Senador Elói de Souza, Serra Caiada, Serra de São Bento, Serrinha, Sítio Novo e Tangará.
Isso significa que 220 mil habitantes dessa região sobrevivem com a água potável da lagoa. O sistema adutor é acompanhado por Ministério Público e entidades de proteção.
O reservatório pertence também à área de proteção ambiental APA Bonfim-Guarairas, criada em 1999, com o objetivo de proteger ecossistemas de dunas, mata atlântica, manguezais, praias, rios e lagoas, além de espécies vegetais e animais presentes nos municípios de Tibau do Sul, Goianinha, Arês, Senador Georgino Avelino, Nísia Floresta e São José de Mipibu.

De acordo com a servidora do Igarn, ações de educação ambiental são realizadas junto a comunidades locais, a exemplo do Programa Igarn Itinerante, que regulariza e mapeia o uso da água por agricultores familiares. “A gente busca conhecer quem está usando a água e como, pra poder gerenciar da melhor forma os recursos hídricos”, pontua Gláucia.
Também existe a atuação dos comitês de bacias, órgãos colegiados. “Existem algumas ações de acompanhamento da situação da bacia hidrográfica. A nossa unidade de planejamento é a bacia hidrográfica, a gente sempre trata o todo, tendo como meta de planejamento e gestão a bacia. Temos parcerias com outros órgãos: Idema, Caern, Semarh, em uma gestão compartilhada – objetivo da política de recursos hídricos”.
O Igarn faz parte de uma rede nacional de qualidade de água. Sessenta e três pontos recebem monitoramento de água bruta [da forma que é encontrada na natureza], principalmente aqueles que abastecem comunidades e cidades para consumo humano após tratamento. A maioria, reservatórios, mas também algumas lagoas e trechos de rios. “Como a maioria dos rios são intermitentes não tem como fazer o monitoramento com a frequência ideal. Alguns só têm água quando chove”, elucida a técnica.
Mais rios da Mata Atlântica
Outros quatro afluentes potiguares foram avaliados pelo SOS Mata Atlântica: Limoal, em Arês; Maxanranguape, no município homônimo; Jaguaribe, em Natal; e Vera Cruz, no município de mesmo nome. Todos esses têm qualidade regular, assim como a maioria dos rios do Nordeste.
Na região, nenhum foi considerado péssimo e 39 estão em condição regular; três foram registrados como ruins: rio Capibaribe, que passa pela cidade de Recife, em Pernambuco; o Rio Catu, na região metropolitana de Salvador, Bahia; e a Lagoa da Parangaba, a maior em volume de água de Fortaleza, Ceará.
Em todo o país, nenhum rio recebeu avaliação “ótima”. Três pontos de monitoramento do rio Pinheiros, em São Paulo, receberam classificação “péssima” e 16,2% das águas monitoradas são ruins, enquanto 75%, regular e apenas 6,9% boa.
O relatório apresenta o retrato da qualidade da água em bacias hidrográficas da Mata Atlântica, por meio de dados do Índice de Qualidade da Água (IQA), que avalia parâmetros físicos, químicos e microbiológicos, e são levantados mensalmente por uma rede de voluntários que integram o programa Observando os Rios, da Fundação SOS Mata Atlântica, desde 2015.
No Rio Grande do Norte os voluntários são Grupo Guarairas, Associação de Proteção Ambiental e Conservação Ambiental, Gamboa do Jaguaribe, Amigos da Lagoa e Vera Cruz Sustentável.

O resultado da qualidade da água tem como base coletas e análises mensais realizadas no período de janeiro a dezembro de 2022. Foram realizadas 990 análises em 160 pontos de coleta de 120 rios e corpos d’água, em 74 municípios de 16 estados da Mata Atlântica, por 116 grupos voluntários. Houve um incremento de 62% no total das coletas realizadas em 2021 (615 análises), aproximando os dados do período pré-pandemia de covid-19.
O estudo aponta que “o quadro de alerta em relação aos rios da Mata Atlântica persiste, revelando a fragilidade da condição ambiental da maioria dos rios monitorados nos estados do bioma”. O texto diz ainda que qualidade da água obtida na maioria dos pontos monitorados demanda atenção especial dos gestores públicos e da sociedade. Indica também a condição frágil dos recursos hídricos, especialmente neste momento de emergência climática.
Quantidade de pontos monitorados pelo SOS Mata Atlântica: