“A subnotificação ainda é o nosso maior problema”, alerta especialista sobre a realidade da violência sexual na infância e adolescência no RN
Natal, RN 25 de abr 2024

“A subnotificação ainda é o nosso maior problema”, alerta especialista sobre a realidade da violência sexual na infância e adolescência no RN

21 de maio de 2023
“A subnotificação ainda é o nosso maior problema”, alerta especialista sobre a realidade da violência sexual na infância e adolescência no RN

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A exploração sexual de crianças e adolescentes ainda é invisibilizada em nosso país, a subnotificação ainda é o nosso maior problema”. A afirmativa de Gilliard Laurentino, assessor técnico da Casa Cedeca Renascer, único centro de defesa de crianças e adolescentes do Rio Grande do Norte, aponta os desafios para o enfrentamento ao abuso e à exploração sexual na infância. Neste mês de maio, em que o Brasil realiza uma campanha para mobilizar a sociedade sobre o tema, um alerta: de acordo com nossa legislação, crianças e adolescentes não se prostituem, eles são explorados sexualmente.

Em entrevista à Agência Saiba Mais, Laurentino avalia que o Rio Grande do Norte, assim como outros estados brasileiros, enfrenta uma pandemia no combate à violência sexual que atinge crianças e adolescentes.

Enfrentamos grandes desafios, como a implementação da Lei 13.431, que trata do sistema de garantia de direitos, da escuta especializada e do depoimento especial, e que ainda não é uma realidade em nosso estado”, afirma.

Em relação a outros estados, Gilliard Laurentino afirma que não há uma grande diferença no que diz respeito à implementação das legislações e à estrutura disponível para os profissionais. Os estados do Sudeste, por exemplo, recebem mais investimentos financeiros nessa área, o que resulta em salários e estruturas um pouco melhores do que as do Rio Grande do Norte. Quanto ao número de casos de estupro, em 2022, o Estado ocupava a sexta posição no Nordeste e a décima sétima no país. No primeiro trimestre de 2023, o RN caiu para a sétima posição no Nordeste e a vigésima no país.

Desde 2009, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) desenvolve o projeto Mapear, que identifica os pontos vulneráveis de rodovias no país onde ocorre exploração sexual de crianças e adolescentes. Em 2020, o Brasil ocupava o segundo lugar entre os países com o maior número de ocorrências de exploração sexual infantil. No primeiro semestre desse ano, o Disque 100 registrou 1.790 denúncias de exploração sexual no Brasil e 25 no Rio Grande do Norte. No segundo semestre, foram registradas 2.180 denúncias no Brasil e 37 no estado. No primeiro semestre de 2023, foram registradas 1.857 denúncias no Brasil e 32 no Rio Grande do Norte. Vale ressaltar que, de acordo com o IPEA, esses números representam apenas 10% dos casos reais.

Quanto ao perfil das crianças e adolescentes que sofrem exploração sexual, a grande maioria é composta por meninas negras, evidenciando o recorte racial e de gênero.

Leia a entrevista na íntegra

Agência SAIBA MAIS: Qual a realidade da violência sexual que atinge a infância e adolescência no Rio Grande do Norte?

Gilliard Laurentino: O Rio Grande do Norte, assim como outros estados brasileiros enfrentam uma pandemia no enfrentamento a violência sexual, ainda enfrentamos grandes desafios como a implementação da lei 13.431 (que fala sobre o sistema de garantia de direitos, a escuta especializada e depoimento especial). A lei ainda não é uma realidade no estado.

Nossos equipamentos carecem de estrutura física e de pessoal. O estatuto da criança e adolescente apesar dos seus 33 anos ainda não é uma realidade em nosso estado apesar dos pequenos avanços.

Como o Rio Grande do Norte está situado em relação aos outros estados?

Não existe grande diferença entre os estados do país no quesito implementação das legislações e estrutura aos profissionais, tendo os estados do sudeste mais investimento financeiros nas áreas, tendo salários e estruturas um pouco melhores que o nosso estado. Em relação a quantidade de casos de estupro no ano de 2022 estamos em 6º lugar no nordeste e 17º no país. No primeiro trimestre de 2023: caímos para a 7ª posição no nordeste e a 20ª posição no país.

A violência sexual engloba dois tipos de violências: o abuso e a exploração sexual. No acompanhamento midiático desta temática, parece existir uma sensibilização maior aos casos de abuso sexual infantil que de exploração. Para vocês que monitoram esses casos no estado na Casa Renascer isso acontece mesmo? Se sim, por quê?

A exploração sexual de crianças e adolescentes ainda é invisibilizada em nosso país, a subnotificação ainda é o nosso maior problema, muitos entendem que crianças e adolescentes estão se prostituindo e por isso não notificam, porém na nossa legislação criança e adolescentes não se prostituem, são exploradas sexualmente. A PRF desde o ano de 2009 vem num projeto chamado mapear mostrando quais são os pontos vulneráveis de BRs pelo país, onde existe exploração sexual de crianças e adolescentes. Anexo livro.

Em 2020, o Brasil ocupava o segundo lugar entre os países com maior número de ocorrências de exploração sexual infantil. Quais são esses números hoje, especialmente aqui no Estado?

Segundo o disque 100 o Brasil no primeiro semestre de 2022 teve 1790 denúncias de exploração sexual, o RN 25, no segundo semestre de 2022 o Brasil teve 2180 e o RN 37. No primeiro semestre desse ano 1857 e o RN 32. Vale salientar que segundo o IPEA isso representa 10% dos casos.

Se pudéssemos desenhar um perfil, quem são estas crianças e adolescentes que sofrem a exploração sexual?

Em sua grande maioria meninas negras, mostrando o evidente recorte de raça e gênero.

Como o cenário de pandemia que vivenciamos recentemente agravou a violência sexual contra a criança e o adolescente? Questões de gênero, classe e raça marcam a realidade dessa violência sexual?

O processo pandêmico fez com que se agravassem as violências sexuais na internet, o avanço rápido de tecnologias e programas para atividades em tempo real colocou mais um desafio, a exploração sexual ocorre dentro das casas, com toda a família dentro e muitas vezes sem ninguém saber. Alguns programas não deixam nada gravado, além da criptografia de ponta a ponta que hj a maioria das redes sociais tem.

A violência sexual sempre foi “democrática” em nosso país, atinge todas as camadas sociais, porém a resposta a essas violências diferem para pessoas em vulnerabilidade, os acessos dessas pessoas a política pública é limitado.

O quanto a vulnerabilidade social pesa no contexto de violência contra crianças e adolescentes?

O maior peso é o do acesso, a política pública não consegue dar conta dos casos que chegam, por falta de estrutura, por dificuldade das famílias chegarem, e principalmente pelo descaso do Estado em relação as famílias vulneráveis do país. Para enfrentar a violência que tem causas multifatoriais é preciso uma resposta integrada, condições financeiras para retirada do local, condições de trabalho, alimentação. E esses são temas sensíveis em nosso país, as famílias ainda não conseguem acessar o que é seu direito. Na vulnerabilidade pesa mais pela falta de acesso, por exemplo temos hj no país facções criminosas que fazem uso da exploração sexual, isso acontece em todas as regiões do país.

Qual é o papel do estado no combate à violência contra crianças e adolescentes? E diante desse papel, o que de fato tem sido feito?

O Estado tem papel fundamental em todos os aspectos, nos aparatos da segurança pública, da assistência social, saúde e educação. Temos avançado em passos muito lentos, ainda discutimos a implementação de delegacias especializadas, por exemplo, que teoricamente nos dão atendimento mais digno e com respostas de proteção, através das medidas protetivas de urgência. Na prática delegacias especializadas só temos nas capitais e com pouquíssima estrutura.

A assistência social tem o papel de tentar combater a vulnerabilidade, seja através do CREAS quando a violência acontece, seja através do CRAS na prevenção, na prática temos cortes orçamentários desde 2015 para essa política, problemas de estrutura e de pessoal. A demanda reprimida reina nesses serviços.

A saúde no acompanhamento psicológico, profilaxias e aborto legal, a garantia do acompanhamento psicológico para ressignificação é o maior problema, para se ter uma ideia Natal só há dois anos colocou profissionais exclusivos para essa demanda. Profilaxia e aborto legal quase nunca são oferecidos mesmo quando as vítimas têm direito.

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