Por Alexis Peixoto
Querida Linda,
Faz tempo que eu queria te conhecer. Não me entenda mal, não é nada disso que você está pensando (seja lá o que você estiver pensando). É que há muito tempo ouço falar de você e das tuas Cartas Obscenas, que incendiavam as páginas de domingo da velha Tribuna do Norte, hoje ainda mais velha do que naquela época.
Quem me falou de você foi o pessoal que te conheceu, aquele povo da redação – o canalha Adriano, o Veioba Osair, o sumido Moura Neto. E também aquele repórter tímido que naqueles dias ainda ensaiava os primeiros toques, o tal do Francisco Carlos. Aliás, nem Francisco nem Carlos: Carlão, que é como hoje todo mundo se lembra dele. É, o bicho pegou corpo e estatura, Linda. Virou aumentativo. Mas disso você já sabe.
O que talvez seja novidade é que reuniram as tuas Cartas Obscenas em livro. Ideia de Abimael do Sebo Vermelho e de um rapaz chamado Alex, que é uma espécie de refilmagem de Carlão com metade do orçamento. Eu sei que esse negócio de livro, com lançamento e autógrafo e tudo, parece coisa daqueles poetas de merda nenhuma que você tanto detestava, mas tente ver por outro lado. Se não fosse esse delírio editorial, como eu e outros que só ouviram falar de você teriam chance de te conhecer assim, à vera? E sem falar nos que estavam com saudade e agora podem te reencontrar, mesmo que só de relance, rememorando as ruas daquela Ribeira já na reta final do século.
Mas tenho que confessar que eu já te conhecia assim, digamos, de vista, por aquela carta póstuma que você enviou ao Jornalzinho do Sebo Vermelho, e eu li a posteriori. Sabe aquela sensação de chegar numa festa e logo ficar sabendo que a pessoa que você queria encontrar acabou de sair? Pois é, algo nessa linha.
E falando em festa, teve uma grande lá no Sebo Vermelho no dia do lançamento do livro. Muita gente legal apareceu, se abraçou, gente que não se via há tempos. Foi tanto sucesso que o livro não deu pra quem quis e esgotou pouco depois do meio-dia. Até espalharam um boato que ia chegar “uma nova remessa”, o que deixou a galera um pouco esperançosa. Mas na real, era mais uma remessa de cerveja que Abimael tinha mandado buscar. O pessoal que ficou sem livro aproveitou pra afogar as mágoas nos copos ali mesmo, e a tarde seguiu.
Lá pelas tantas, com o Sebo virado em pista de dança e um disco de Rita Lee se espalhando pela Rio Branco a todo volume, o velho Abima me pegou pelo braço e segredou: “O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio!” Fiquei sem entender se era uma referência àquele livro de Bukowski ou se era uma confissão de que a festa tinha fugido ao controle. Talvez as duas coisas.
Tudo isso pra te dizer, Linda, que você agora é uma autora best-seller. Fico tranquilo porque sei que isso não vai te subir à cabeça. E que, graças a deus (em letra minúscula, naturalmente), não tem perigo de você se candidatar à Academia Norte-Riograndense de Letras, mesmo que a Natal que você escreveu há mais de trinta anos continue mais real, viva e presente do aquela com a qual sonham alguns dos que estão sentados por lá agora.
Já se encaminhando pro fim, queria te dizer que muita coisa mudou aqui na nossa cidade velha de guerra. Os aeromodelistas já não fazem mais zuada no entardecer de Capim Macio, e quase já não se imprimem mais jornais, mas felizmente temos outros ares para respirar. O que não significa que estejamos menos provincianos, ou que o tédio tenha deixado de rondar as ruas. A diferença, como diz um filósofo do momento, é que hoje em dia ninguém mais está entediado, mas tudo é entediante.
Um beijo e até a próxima,
Alexis Peixoto,
Ponta Negra – Natal-RN
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p.s.: Avisa ao pessoal por aí que quem quiser o livro das Cartas Obscenas de Linda Baptista pode ficar de ronda lá pelo Sebo Vermelho, na Cidade Alta. Alex e Abimael disseram que a tal nova remessa chega lá por esses dias.