Dilemas da governabilidade no Brasil
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Dilemas da governabilidade no Brasil

7 de maio de 2023
Dilemas da governabilidade no Brasil

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Por Homero Costa 

No dia 6 de março de 2023 o presidente da Câmara dos deputados, Artur Lira, em um encontro com empresários de São Paulo (Conselho Político e Social da Associação dos Comerciantes de São Paulo), afirmou que o presidente Lula não tinha votos para aprovar as reformas econômicas que pretendia. Três dias depois, o presidente Lula, junto com os ministros Paulo Pimenta (Secom), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil) se reuniram com Lira em um jantar. Não se sabe o teor das conversas, mas muito provavelmente tem a ver com as suas declarações e as dificuldades do governo em constituir uma base sólida no Congresso Nacional.

No dia 30 de abril de 2023, em entrevista ao jornal O Globo Arthur Lira afirmou que o Partido dos Trabalhadores errou ao constituir sua base de governo no Congresso Nacional. Para ele, apenas a indicação e trocas eventuais de ministérios por apoio no Congresso "não vai dar certo".

Ele defendeu a permanência das Emendas Parlamentares, considerando que elas poderiam resolver o apoio que o governo precisa no Congresso, sem a necessidade de cargos em ministérios (como se sabe, a decisão sobre as emendas parlamentares não foi do governo Lula, mas do Supremo Tribunal Federal (STF) que decidiu no dia de novembro de 2021, por 8 votos a 2, manter a decisão da ministra Rosa Weber que suspendeu as emendas de relator, conhecidas como “orçamento secreto” aprovadas em 2019 e vigente em 2020 e 2021).

Quando questionado sobre as articulações para a votação de temas considerados relevantes pelo governo no Congresso Nacional disse que "Houve uma acomodação e a formatação de um governo de coalizão (...) e que “As emendas resolvem isto sem ser necessário um ministério. “Da forma como está o parlamentar fica com o pires na mão e um ministro, que não recebe votos e não faz concurso, é quem define a destinação de R$ 200 bilhões para municípios do Brasil”.

”Para o presidente da Câmara, o orçamento negociado pelas emendas de relator é “mais democrático por ser decidido por 581 parlamentares e não por apenas onze ministros e nesse sentido” a falta de emendas de relator atrapalha a governabilidade” e que os partidos querem é o favorecimento de obras e serviços públicos para aumentar o seu escopo político e atender as suas bases”.

As emendas de relator foram instituídas m 2019 e começou a vigorar em 2020. Basicamente, destina verbas do orçamento público direcionada a projetos definidos pelos parlamentares sem suas identificações, nem de valores nem os respectivos nomes de quem indicou. Daí ter sido chamado também de orçamento secreto, ou seja, requerimento de verba da União sem detalhes como identificação ou mesmo destinação dos recursos.

Nesse sentido, o orçamento secreto, como ficou conhecido, se caracterizava pela falta de transparência e por beneficiar, com recursos públicos, apenas alguns parlamentares. Durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) como se constatou virou “moeda de troca” entre o governo federal e o Congresso Nacional.
No entanto, mesmo sem o uso de orçamento secreto, o governo de Lula tem tido muitas dificuldades na articulação política no Congresso Nacional que, como diz Artur.

Como se sabe, Lula foi eleito com apoio de nove partidos que compuseram a coligação que venceu as eleições (PC do B, PV, Solidariedade, PSOL, Rede, PSB, Agir, Avante e Pros) que, junto com o PT, somam 139 parlamentares, eleito, ampliou sua base de apoio, mas ainda não tem maioria no congresso. Não se sabe o número exato, hoje, de apoio parlamentar, mas em março de 2023 constava que havia o apoio de 223 parlamentares na Câmara dos Deputados, expressivo, mas menos da metade dos 513 deputados. E também não garante que todos vão votar a favor do governo, em qualquer circunstância.

E como exemplo que evidencia as dificuldades do governo em relação a uma base de apoio na Câmara dos Deputados, no dia 3 de maio de 2023, um dia após o presidente da Câmara dos Deputados se reunir com o presidente Lula e expressar insatisfações quanto à articulação política do governo e a demora na liberação de emendas e indicações de cargos na administração pública, Artur Lira colocou na pauta de votação e impôs mais uma derrota do governo (além do adiamento da votação do PL das fake news e a criação da CPI do dia 8 de janeiro): por 295 votos contra 136, os deputados derrubaram trechos dos decretos do governo que alteravam o Marco Legal do Saneamento Básico que havia sido sancionado em julho de 2020 pelo então presidente Jair Bolsonaro que, entre outras coisas, alterou a forma como os contratos de concessão eram feitos, tornando obrigatória a abertura de licitação que permitia maior participação de empresas privadas.

O governo Lula propôs mudanças, que foram suspensas pelos deputados e as mais relevantes: a que estendia o prazo para que empresas estaduais de saneamento apresentassem garantias de capacidade técnica e financeira para realizar investimentos e a permissão da prestação direta de serviços por estatais estaduais em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões, prevendo ainda uma nova licitação, na qual a estatal deveria concorrer com o setor privado para manter a prestação dos serviços.

Com a derrota do governo, o PDL segue para o Senado e se a rejeição for mantida, um Projeto de Lei poderá ser apresentado.

A montagem de uma base envolve negociações. Como afirmou Madeleine Lacsko o governo Lula falhou no primeiro teste de articulação com o Congresso Nacional “é preciso agradar muita gente para ter o mínimo de governabilidade” e que no caso das fake news “nem a liberação de emendas foi suficiente para garantir aderências”. O que há hoje no Congresso Nacional é a formação de um grupo de parlamentares de partidos que não são formalmente aliados, como o União Brasil (fusão do PSL com o DEM) que mesmo tendo três ministros se divide entre o apoio ao governo e a oposição (no caso da votação do PDL votou integralmente contra o governo, assim como o MDB (32 votos contra apenas 1 a favor) e PSD.

E esse é o dilema principal: como governar em um presidencialismo como o nosso, de amplas coalizões sem se compor e ao se compor, não ter alternativa senão fazer concessões que contrariam não apenas sua militância, como seus princípios programáticos e ideológicos?

Um dos problemas apontados por alguns analistas do nosso sistema partidário e eleitoral é o número muito alto de partidos com representação nos parlamentos (as composições e os números são distintos nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, também muito fragmentadas). Embora tenha diminuído na eleição de outubro de 2022, em função da fusão de partidos, o que se questiona é se isso torna, necessariamente, o país ingovernável.

Uma resposta pode ser: Nem sempre. E isso foi demonstrado nos governos, tanto de Fernando Henrique Cardoso como os dois primeiros de Lula que mesmo com partidos políticos fracos, muitos deles fisiológicos e pouco representativos, sem ideologia nem programas consistentes, se conseguiu manter a governabilidade fazendo composições e concessões. Quando isso não ocorreu, o impeachment foi inevitável, como com Fernando Collor em 1992 e Dilma Rousseff em 2016, por motivos distintos, mas que expressou a falta de uma base consistente no Congresso Nacional.

No artigo O escudo da fragmentação, publicado no dia 1 de maio de 2023 no Estadão o cientista político Carlos Pereira, afirma que “Se por um lado, a fragmentação partidária pode ser considerada o ‘vilão para a governabilidade’ por outro lado, pode funcionar como um antídoto institucional endógeno contra iniciativas iliberais e antidemocráticas de presidentes populistas, especialmente em ambientes políticos polarizados”.

E cita a conclusão da pesquisa de Allen Hicken (e coautores) no livro Why Democracies Develop and Decline (Cambridge University Press, 2022). Editado por Michel Coppedge (University of Notre Dame), Amanda B. Edgell (University of Alabama), Carl Henrik Knutsen (Universitetet i Oslo) e Staffan I. Lindberg (Göteborgs Universitet, Sweden).

Uma das referências da pesquisa é o projeto Variedades da Democracia (V-Dem) pioneiro em conceituar e medir a democracia, com dados sobre democracias no mundo e uma das questões centrais da pesquisa é: Por que Democracias se desenvolvem ou declinam? Para isso é necessário se basear em dados empíricos consistentes para apresentar uma visão abrangente dos fatores que contribuem para a democratização ou o declínio democrático, levando em conta fatores econômicos, sociais, institucionais, geográficos etc., ou seja, como dizem os autores, uma análise teórica e empírica “mais fidedigna e abrangente das causas de democratização e retrocessos” e foi o que fizeram no livro.

E como afirma Carlos Pereira no citado artigo “os autores não encontram evidência empírica robusta de que o presidencialismo correria mais riscos democráticos em ambientes multipartidários ou mesmo hiperfragmentados, como se costumava acreditar até recentemente. Muito pelo contrário. Concentração de poder seria uma ameaça muito maior à estabilidade democrática”.

E mais: as regras eleitorais que incentivam a redução do número de partidos são negativamente associadas à estabilidade da democracia: “Em outras palavras, quanto maior a concentração de cadeiras no Legislativo ocupadas por um único partido, menor o nível da democracia. O problema, portanto, não seria a fragmentação, mas a concentração de poder do partido da elite governante”.

O argumento é o de que a fragmentação partidária e a existência de partidos fracos e sem consistência ideológica, portanto fisiologista “na realidade, dificultam o domínio do Executivo no Legislativo, mesmo diante de um presidente constitucionalmente forte, como o brasileiro. Ela tem moderado governos e evitado iniciativas extremas ou ações iliberais que pretendem se valer de maiorias episódicas para passar o ‘rolo compressor’ em interesses minoritários”.

Na análise do autor, mesmo que inicialmente Bolsonaro tenha se indisposto com os partidos, não teve força para dominar o Legislativo e “foi forçado a barganhar com partidos para construir um escudo legislativo e dar continuidade a seu governo. O Congresso não capitulou e foi bem-sucedido ao impedir os exageros do ex-presidente”.

E em relação ao governo Lula, cita como exemplo da importância dos partidos para a aprovação de projetos de interesse do governo, o Projeto de Lei 2630 (PL das Fake News) que, sem uma base parlamentar forte, foi forçado a moderar e recuar em relação, entre outros exemplos, quanto à criação de órgão para regular as redes sociais.

Se o governo tivesse uma base parlamentar consistente certamente isso não ocorreria. E esse é um dilema que o governo Lula tem enfrentado e vai continuar enfrentando. O que fazer para ter uma base parlamentar que assegure a aprovação de seus projetos e ao mesmo tempo, não fazer concessões que descaracterize seu programa e suas intenções para viabilizar sua aprovação? Esse, me parece, é o grande dilema do governo Lula para garantir as condições de governabilidade.

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