Quilombola potiguar realiza sonho e passa em Medicina em universidade pública: “ato de ajudar”
Natal, RN 28 de mar 2024

Quilombola potiguar realiza sonho e passa em Medicina em universidade pública: “ato de ajudar”

12 de maio de 2023
Quilombola potiguar realiza sonho e passa em Medicina em universidade pública: “ato de ajudar”

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Moradora da comunidade do Pêga, na zona rural de Portalegre, interior do Rio Grande do Norte, a estudante Abigail Bessa, de 20 anos, foi aprovada para o curso de Medicina na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). A vaga, conquistada por meio das cotas destinadas a membros residentes de comunidades quilombolas e vindos da escola pública, representou a concretização do sonho da potiguar. 

Abigail nasceu e cresceu na comunidade quilombola. Ao chegar ao ensino médio, entretanto, passou para o curso de Apicultura no IFRN Pau dos Ferros e, para facilitar o trajeto, se mudou para a casa dos avós na zona urbana de Portalegre.

“Eu sempre morei na comunidade. Quando eu nasci meu pai já morava com minha mãe, a gente sempre morou aqui, eu, eles e meus dois irmãos, só que eu estudava nas escolas públicas e sempre fiquei morando no sítio e utilizava os ônibus públicos para ir até a zona urbana”, diz.

Ao entrar no IF, veio outra rotina e a mudança para a casa dos avós.

“Eu também era bolsista no IF e acordava de 5h e chegava muitas vezes de 23h, não tinha como meu pai me buscar, até porque a gente não tinha moto nem carro nessa época. Eu tive que morar com minha avó, foi daí que eu deixei de morar esses quatro anos que eu estudei no IF na comunidade, mas sempre vinha tinha todos os final de semana, até porque eu nunca quis terminar o vínculo com minha comunidade”, conta.

“Quando eu cheguei lá no IF, ter levado o quilombo do Pêga até o IF foi uma forma de eu me sentir mais íntima no meu ambiente acadêmico, que foi daí que eu comecei a fazer meu TCC, que foi uma pesquisa que durou dois anos e sempre falando da minha comunidade.”

No Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), o tema foi “Os fatores que dificultam o fortalecimento da prática da apicultura entre os agricultores quilombolas da comunidade do Pêga”. 

“Mesmo de longe eu me sentia presente dentro da comunidade, mesmo tendo que sair para procurar melhorias”, diz ela.

No Pêga, vivem cerca de 50 famílias de origem quilombola, e Abigail carrega essa ligação por conta da família materna. Ela diz que teve maior dimensão dos seus antepassados e da luta do povo negro por meio da instituição federal. 

“Antes de entrar no IF, eu nem dava de conta do quanto era importante as ações afirmativas, até entrar no NEABI [Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas]. Foi aí que eu comecei a entender o sistema de cotas, o real significado do que era ser quilombola. Aí eu fui despertando o interesse de também querer conhecer mais sobre as cotas”, afirma. 

De acordo com Bessa, os moradores destas comunidades sofrem um duplo preconceito: por serem negros e quilombolas. Até 1930, conta ela, os moradores do Pêga não podiam participar das festividades na zona urbana de Portalegre por sua cor. 

“Quando eu cheguei no IF que eu fui entender toda a história do que é ser quilombola, indígena, cigano, foi que eu fui entendendo a importância do quanto era significativo ter essa ajuda, de pessoas negras que começam a ingressar dentro das universidades, dentro dos IFs. Isso para mim é muito importante”, diz.

“Ato de ajudar”

Estudante comemorou aprovação com moradoras da comunidade | Foto: cedida

De acordo com Abigail, a futura profissão era seu sonho desde criança.

“Minha vontade sempre foi ser médica. Desde pequena, aqui mesmo na comunidade, sempre quando ia brincar com meus colegas dizia: ‘ah, eu vou ser a médica’. Sempre eu tive essa vontade de querer ajudar, e eu disse ‘acho que no ato de ajudar, eu vou escolher a medicina’”, fala.

Ao se inscrever na UEFS, a aprovação não veio de primeira. Uma das dificuldades do período como pré-vestibulanda foi justamente a dedicação ao TCC, que lhe consumiu dois anos e entrevistas com bancos, com sindicatos dos trabalhadores de Portalegre, a comunidade e outras tarefas. 

A fé, para ela, também foi um apoio importante.

“A gente passou por muitas dificuldades, mas mesmo assim eu disse ‘Deus uma hora vai me dar recompensa, só não sei o que é, mas ele vai me dar. Mas eu não vou desistir do meu TCC, embora seja muito difícil, eu vou continuar, eu vou terminar meu TCC’”.

A concretização do esforço veio em 28 de abril, quando a UEFS publicou o resultado da terceira chamada do Sistema de Seleção Unificada (Sisu).

“Quando eu passei, foi a recompensa de eu ter deixado de estudar para o Enem e ter falado da minha comunidade, e ter passado como cota de quilombola. Aí eu fiquei ‘meu Deus, eu não tô acreditando que eu passei por isso tudo e saber que foi uma recompensa”, afirma.

O curso no IFRN foi concluído em fevereiro e Abigail voltou a morar com os pais no Pêga. Agora, ela se prepara para se mudar para Feira de Santana, na Bahia. O início da graduação na universidade baiana está previsto para 19 de julho.

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