OPINIÃO

Medo de pix, vacina com chip e ditadura comunista

 – Eu não confio em pix – disse o senhor na mesa ao meu lado no espetinho, com ares de sabe tudo e a já falada aqui autoconfiança inabalável dos homens brancos héteros cinquentões. Os amigos, de perfil parecido, já tentaram convencê-lo da segurança do mecanismo, um deles empresário registrou que o pix havia dinamizado seus negócios, mas o homem continuou:

– Podem usar o pix para roubar meus dados, doido é quem confia nesse pessoal. Prefiro ir ao banco e fazer tudo na boca do caixa ou pelo menos no caixa eletrônico! – sentenciou.

Fiquei com vontade de me meter no papo e perguntar ao distinto qual a opinião dele sobre vacinação. Tenho certeza que seria igual a que ouvi de um cidadão (também homem branco hétero cinquentão)  na fila do Supercop semana passada, resmungando que só se vacinou por pressão da filha, “porque eu li que a vacina pode implantar um chip no nosso corpo, coisa da China“, vociferou. Acabei indo passar meu pão na fila ao lado para não ter de ouvir tanta barbaridades.

Mas é fato que temos e teremos de conviver com esse pessoal, que vive 24h por dia em um filme de conspiracionismo, daqueles que existe uma intriga internacional envolvendo milhares de pessoas para fazer o mal a alguém ou dominar o Mundo. O problema é que na vida real a coisa não é bem assim. E isso é uma herança do olavismo, a triste “ciência” criada pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, um astrólogo picareta que percebeu o movimento conservador e de extrema-direita se formando no Mundo e o usou – de sua forma, com palavrões, ofensas, chantagens e ódio – para escrever livros e ganhar dinheiro. E ser cooptado por políticos. Como por Bolsonaro, através de assessores e pelo filho Eduardo.

A união do olavismo com o recém-formatado bolsonarismo (na verdade a extrema-direita que havia encontrado no deputado medíocre, falastrão e truculento um símbolo – ou “mito” –  para chamar de seu) forneceu um embasamento “ideológico” para a campanha de 2018. O que ajudou Bolsonaro a se eleger (embora com Lula livre, Jair não tivesse vencido).

O balaio “ideológico” de Olavo somado ao conservadorismo que Bolsonaro adotou ao se unir ao movimento evangélico, pavimentou o caminho para que parcela da sociedade brasileira começasse um caminho de desconexão da realidade. O que facilita o trabalho da direita, evidenciam, através das verdades fáceis, do medo e da anticiência. Dessa forma, a partir de 2028, o PT voltou a ser associado à uma tal “ditadura comunista”, o que ninguém viu nem sombra em 13 anos de governos petistas com Lula e Dilma, claro.

Da “ditadura comunista” a se combater (para evitar que a esquerda chegasse novamente ao poder) passamos pelo medo de uma “ditadura gay” (para tolher direitos à população LGBTQIA+), ao combate ao feminismo, que para a extrema-direita estava podando a virilidade dos homens (foi criado até um ermo e movimento para isso, o Masculinismo, que tem a ver com os Red Pills – como o “calvo do Campari” e incels, os jovens celibatários involuntários que se tornam violentos). Enfim, de narrativa em narrativa, o bolsonarismo (que já havia canalizado e absorvido o olavismo) criou um mundo paralelo.

Esse universo à parte teve momento doloroso durante a pandemia da covid, quando mesmo com mortes diárias e hospitais superlotados, o bolsonarismo negou a eficácia de vacina e sabotou sua aplicação, usando de fake news como a de que “poderia fazer virar jacaré”, como chegou a dizer o genocida, ou a mais célebre de que implantaria chips no corpo das pessoas o que as colocaria sobre controle de grupos poderosos, como a China e seus comunistas. Em um grupo que acredita que a terra é plana, essa argumentação funcionou, claro. Conheço artistas, advogados, até mesmo médicos que se recusaram a tomar a vacina, e só o fizeram para poder viajar, trabalhar ou pressão da família, como o senhor fascista da fila do supermercado.

Mas paranoia com pix eu nunca tinha visto até o cidadão lá do espetinho. E olha que Bolsonaro se vende como “pai do pix”, embora se saiba que ele foi formatado e planejado durante o governo do vampiro Temer. Sinal de que a desconexão da realidade pode ter saído até mesmo do controle do bolsonarismo e se expandido organicamente. Vai dar trabalho para conviver com esse pessoal.

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