OPINIÃO

A vida ‘instagramável’

Por Cefas Carvalho

Em viagem mezzo trabalho mezzo descanso a Baía Formosa no final de semana, durante papo animado com amigos e gente querida, comentou-se que atualmente quase tudo na vida tem que ser  ‘instagramável’, ou seja, apropriado e formatado para ser postado na rede social Instagram, conhecida por priorizar imagens a textos. O termo, apesar de insólito e de não fazer parte de nenhum dicionário de Língua Portuguesa, já “pegou” e se tornou não apenas usual mas utilizado.

‘Instagramável’ significa que algo tem potencial (de beleza, sedução, charme, cobiça, inveja) para ser postado no perfil do Instagram da pessoa. Lugares, coisas, pessoas, situações, momentos. Isso implica em um leque quase interminável. Pede-se um prato num restaurante? Antes de comer, fotografá-lo para o Instagram, claro. Uma bebida ´chique` como drinques elaborados ou cervejas artesanais? Para o Insta! Em viagem turística vemos um monumento ou similar? Antes mesmo de contemplá-lo, vai a foto para a rede social!

A coisa ganhou uma dimensão tão grande que alguns bares e restaurantes já anunciam em sua propaganda e redes sociais que tais comidas, bebidas ou espaços são ‘instagramáveis` pois sabem que parte dos clientes vai justamente ou principalmente para isso. Nesse caso, a experiência da degustação, da percepção do espaço e interação com ele, da contemplação, fica em segundo plano. Nada estranho em tempos líquidos, como preconizou Bauman, onde tudo é fugaz como uma imagem que sobrevive apenas 24h nos stories. Mais importante que o sabor da comida é a foto ficar bonita para agradar no Instagram. Enfim.

Por outro lado é justo que todos nós desejemos registrar momentos felizes ou marcantes e que estes instantes sejam vistos pelas pessoas queridas ou que tenham algum interesse em nossa vida, ou seja, os ´seguidores` para usar o termo do Instagram. Em um mundo moderno marcado pela tecnologia e velocidade da informação, porque não usar tal avanço para mostrar publicamente as coisas que conseguimos, gostamos, conquistamos ou que nos deixam felizes? Podemos achar exagerado que o amigo que visita Veneza publique dezenas de fotos em gôndolas e piazzas, mas no lugar dele não faríamos a mesma coisa?

Existe um limite entre o registro e o excesso? Entre o aceitável e o superficial? Difícil dizer. Cada qual tem em sua dinâmica, sua profissão e seus interesses específicos. Parece aceitável e compreensível que celebridades, políticos e pessoas que trabalham com mídia (o meu caso, por exemplo) tenham tendência maior de expor o que fazem. Por outro lado, pessoas mais introspectivas ou que exerçam atividades que exigem mais discrição tendem a postar menos imagens. Cada um no seu quadrado, portanto.

Registrando ainda particularidades curiosas. Muitas vezes é pelo Instagram, principalmente pelos stories que sabemos sobre as pessoas queridas. Quantas vezes não tentei contato com meus filhos e eles não respondiam e antes mesmo que eu ficasse preocupado vi pelos stories deles que estavam em uma festa ou numa roda de amigos, felizes e em segurança. É quando o Instagram e a exposição que ele gera se tornam uma ferramenta para aproximação.

Não adianta brigar contra a modernidade ou as inevitáveis mudanças comportamentais. Embora no mundo nada realmente seja novo, apenas se transforme e se reinvente. Afinal, quando não existia Instagram ou Internet quem não lembra que quando visitávamos amigos ou parentes éramos obrigados a ver intermináveis álbuns com centenas de fotos de casamento, batizado, festinhas de aniversário, viagens? Era o Instagram da época, com a limitação de um “seguidor” por vez.. Cada tempo com seus costumes e particularidades. Capriche na iluminação, faça seu melhor sorriso colgate e poste sua alegria – real ou fingida- no feed ou nos stories. Sem medo de ser feliz. Pelo menos vai parecer feliz. Nos dias atuais de pós-verdade talvez seja o que importa.

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