DEMOCRACIA

Entre histórias, cervejas, lembranças e café: um final de semana com Mariana Prestes, a filha do Cavaleiro da Esperança

Situado a 97km de Natal, capital potiguar, o município de Baía Formosa apresenta algumas das praias mais belas e idílicas do Estado e mesmo do Nordeste. Nos últimos anos, a cidade, que possui de área 247km² e população de apenas 8.824 habitantes (Censo de 2022), ganhou destaque por ser a terra natal do surfista Ítalo Ferreira, campeão mundial e medalhista de ouro da categoria na Olimpíada de 2020, em Tóquio, Japão. Mas mesmo antes da conquista de Ítalo e da explosão da região como paraíso para o surf, Baía Formosa já era o éden escolhido como moradia por uma outra pessoa: a enfermeira, tradutora de russo e militante política Mariana Prestes. O sobrenome ilustre para quem estudou História do Brasil indica quem ela é: filha da militante política Maria Prestes e de Luiz Carlos Prestes, o ´cavaleiro da esperança`, uma das personalidades políticas mais influentes no país durante todo o século 20.

Mariana e o marido Ivan Neri dos Reis moram em Baía Formosa desde 2013, há dez anos, portanto, após procura pelo litoral nordestino de um local “perfeito”:

“Nós não queríamos mais morar no Sudeste, sentir frio, então rodamos de carro pelo litoral, vimos praias de Alagoas, Pernambuco, da Paraíba até que por indicação de amigos chegamos a Baía Formosa e pensamos: é aqui!”, explica Mariana, que recebeu este repórter em sua casa no fim de semana nos dias 15 e 16 passados para bate papo, conversas sobre política, projetos e mostrar praias da região.

Duas coisas saltam aos olhos. A primeira é  o amor e a ligação que Mariana e Ivan desenvolveram por Baía Formosa, sua geografia,  dinâmica e comunidade. A outra é a relação que desenvolveram com os moradores, sendo extremamente conhecidos. Não há um único lugar que se vá com o casal sem que sejam abordados com carinho e cumprimentados por muitas pessoas. Há explicações para isso. Mariana e Ivan são comunicativos, simpáticos e a imersão que fizeram no município foi facilmente percebida pelos nativos. A outra é que eles mantiveram um empreendimento que marcou história em Baía Formosa: a pousada Casa da Russa, apelido pela qual Mariana também é conhecida na cidade devido ao tempo que morou na antiga URSS.

A Casa da Russa virou referência de turistas em Baía Formosa 

Ivan e Mariana Prestes na Casa da Russa. 2018. Foto: Lucas Cortez.
Entre 2014 e 2015, Mariana e Ivan se viram sozinhos depois que o filho saiu de casa rumo a São Paulo e, percebendo que a casa onde moravam era grande demais para os dois, resolveram investir não apenas em turismo e hospedaria, mas em estreitar laços e fazer conexões.
“Amigos nossos queriam conhecer o Nordeste, mas reclamavam que era muito caro. Percebemos nisso a possibilidade de recebê-los e oferecer às pessoas um turismo de custo benefício barato” , assegura Mariana.
Dessa forma, para além das amizades, a Casa da Russa passou a ser conhecida e fazer parte de sites de hospedagem, recebendo gente do Rio de Janeiro, São Paulo, Argentina, Colômbia, República Dominicana e até mesmo da própria Rússia.
“Eram pessoas que procuravam conhecer o Nordeste e curtir um turismo diferente do que normalmente se vê na região. Não era uma pousada. Era a minha casa. A pessoa estava no nosso convívio familiar”, registra Mariana, lembrando que a casa misturava elementos de decoração regionais com coisas da Rússia, como uma matrioska (mãezinha, em russo), um brinquedo tradicional russo na qual bonecas são colocadas dentro de uma maior, simbolizando que a mãe abriga a todos.

Viúva de Prestes, mãe de Mariana foi um das vitimas da covid-19

Por falar em mãe, Maria Prestes visitou por diversas vezes Baía Formosa. Ela morreu em fevereiro de 2022, vítima de covid, aos 92 anos. Em 2013, chegou a lançar seu livro de memórias em Natal.

Sobre a consciência dos hóspedes (principalmente os que não eram amigos e sim haviam visto a pousada pela internet) em relação à história de Mariana e sua família, ela sempre registrou que “alguns perguntavam, outros não, dependia do conhecimento histórico de cada um sobre a política”, assinalando que os retratos de Luiz Carlos e Maria sempre ficavam em destaque na sala, possibilitando que ao menos os frequentadores indagassem o contexto. Houve casos de pessoas de perfil político de direita que se hospedavam sem saber do contexto e de repente descobriam que estavam num lugar “comunista”. Ivan e Mariana são pródigos em “causos” engraçados e curiosos sobre hóspedes na Casa da Russa ao longo dos anos.

Contudo, a pandemia de covid-19 em 2020 e a necessidade de confinamento foi cruel para o turismo mundial e em Baía Formosa não foi diferente.
“Para não ficarmos parados resolvemos fazer e vender esfihas, de diversos sabores. Foi um sucesso”, lembra Mariana.
Porém, o casal não deu continuidade ao empreendimento após o surgimento das vacinas e a consequente reabertura do setor turístico e hoteleiro e uma mudança de residência acabou por mudar os planos de Mariana e Ivan.
“Saímos da Casa da Russa, que era um imóvel alugado, e compramos essa nova casa onde estamos que pretendemos ampliar”, explica.
Agradável, aconchegante e, assim como a Casa da Russa, bem na entrada da cidade e com ótima localização, a casa é extremamente ventilada, com ventos fortes à noite o que garante um clima quase de frio. O plano do casal é em 2024 construir chalés no terreno vazio do imóvel e retomar o projeto iniciado com a Casa da Russa.
Mariana também avalia o que fazer com o acervo que mantém do pai e da mãe, entre objetos e papéis. Esse repórter inclusive bebeu café no domingo à noite em xícara e cafeteira (adequadamente decorados com a foice o martelo que simbolizam o comunismo) que pertenciam a Maria Prestes, presentes que ela recebeu do PCP – Partido Comunista Português.
Na casa de Mariana Prestes com xícara e bule que foram de Maria Prestes, presentes do PCP – Partido Comunista Português. Foto: Cefas Carvalho

Família Prestes reunida em Moscou 

 
Família Prestes em Moscou. 1971. Foto :Arquivo pessoal de Mariana Prestes.

Com 62 anos de idade, Mariana nasceu no Rio de Janeiro, filha de Maria do Carmo Ribeiro e de Luiz Carlos Prestes, sendo a sétima de dez irmãos. Quando eclodiu o golpe militar de abril de 1964, a casa onde morava em São Paulo foi invadida pela polícia e sua família começou a ser vigiada e ameaçada de sequestro, como tentativa que Prestes, à época o número 1 da lista de perseguidos políticos e que estava na clandestinidade, se entregasse, o que não aconteceu. Em 1970, Mariana, a mãe e os irmãos deixam o Brasil rumo a União Soviética, que dá asilo político à família. Em 1979, Prestes e Maria retornam ao Brasil e Mariana continua em Moscou para terminar os estudos, voltando em 1988, formada em Enfermagem e com dois filhos, Lígia e Danilo. A convite do então prefeito de Santos, David Capistrano Filho, foi trabalhar na área da saúde em 1993, onde permaneceu por 20 anos mesmo sofrendo diversas perseguições por ser filha de Prestes. Ainda exerceu atividades em prefeituras na Baixada Santista e depois passou a trabalhar como tradutora para o Ministério da Agricultura da Rússia. Em 2013, Mariana Prestes se mudou para Baía Formosa e em 2016 recebeu oficialmente desculpas do Governo Federal pelos anos de exílio, sendo considerada anistiada política.

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