OPINIÃO

Fã clube do “menino” Neymar explica o bolsonarismo

Por Cefas Carvalho

Quem me conhece sabe que tenho paixão por política e por futebol e que acompanho ambos com atenção e entusiasmo, como é comum fazermos por coisas pelas quais somos apaixonados. Só não deixo – ou tento – que as paixões me guiem em julgamentos, avaliações e conclusões. Dito isso, consigo paradoxalmente compreender a paixão que, por exemplo, o futebol desperta. O que me aborrece é quando domina a irracionalidade, o desprezo pelos fatos.

Acompanhando perfis de futebol, principalmente no Twitter, percebo os fãs clubes de times, jogadores e até mesmo técnicos. Para uns, o Manchester United é o mais glorioso da Inglaterra e o rival City apenas “modinha”. Para outros, Pep Guardiola é genial e José Mourinho apenas retranqueiro. Para torcedores do ABC, o rival América merece mesmo é cair novamente para a série C. E por aí vai. Tudo compreensível dentro do pathos que o chamado esporte bretão aflora.

Mas também percebo que algumas paixões extrapolam qualquer indício de racionalidade e não apenas beiram o fanatismo desmedido como a identificação comportamental (assunto que merece mais atenção do que se dá). É o caso do fã clube do atacante brasileiro Neymar, “menino” ainda aos 31 anos de idade completados em 5 de fevereiro, que apesar de ter brilhado no Santos e no Barcelona, da Espanha, não repetiu a performance no PSG, onde joga atualmente e muito menos na seleção brasileira, onde jamais conseguiu ser destaque em uma Copa do Mundo.

Certo que fã clube de boleiro é feito para idolatrá-lo. Vide os fanáticos por Messi e Cristiano Ronaldo, que ao longo de quase quinze anos, se digladiavam nas redes. Mas o fã clube de Neymar está um passo à frente no fanatismo, no caso, quase religioso mesmo. São pessoas que projetaram um jogador à revelia da realidade e que brigam com os fatos. Senão vejamos: o atacante já teve ótimos dias na Europa, chegando a marcar gol em final de Champions League (contra Juventus em 2015) e entrar para a história do Barcelona com dois gols e uma assistência naquela lendária virada de 6×1 contra o PSG. Formava um ataque matador ao lado de Messi e Suárez e tinha tudo para ser o sucessor natural do argentino (cinco anos mais velho) no time catalão.

Foi quando em 2017 rumou para o time francês seduzido pelo dinheiro (salário bem maior) e pela premissa de “ser o melhor do mundo” sem ficar à sombra do amigo Messi. Foi um erro em todos os aspectos. Não conseguiu liderar o PSG rumo ao sonhado título da Champions League, amargou um campeonato nacional de times limitados e porte médio e acumulou não só contusões como polêmicas e escândalos (acusações de assédio e esupro, baladas etc). Na temporada recém-terminada, a de 2022/2023 naufragou com o time nas oitavas de final da Champions e perda da Copa da França contra o mediano Toulouse. Jogou apenas 29 jogos marcando 18 gols em todos os torneios, bem atrás do craque do time há anos, o francês Mbappe. Para se ter ideia dos números pífios, o norueguês Haaland marcou 36 gols apenas no campeonato inglês.

Ainda assim, os fanáticos pelo jogador defendem que ele continua sendo um dos 5 melhores do mundo, que deve ser contratado a qualquer momento por potências inglesas como Manchester United e Chelsea e “passam pano” para seus excessos e polêmicas. Nas férias no Brasil em junho e julho, supostamente se tratando da lesão, organizou festas, se meteu em uma polêmica com a construção de um lado irregular e traiu a namorada grávida na véspera do Dia dos Namorados. Mais que relevar, o fã clube de Neymar parece admirar seu comportamento, sempre o chamando de “menino”, injustiçado e perseguido.

O que isso tem a ver com política? Muita coisa. Percebemos acima que a dinâmica do admirador de Neymar com seu ídolo acima de qualquer suspeita (e crítica) e rigorosamente a mesma do apoiador de Jair Bolsonaro com o ex-presidente. Não importa que escândalo, suspeita, contradição ou irregularidade venha à tona, o fã de clube bolsonarista mantém admiração e apoio ao Ídolo (ou melhor, “mito”) de maneira incondicional e inflamada, muias vezes agressiva e hisérica. Desprezou vacinas em plena pandemia? Ninguém garante que as vacinas salvam, pensa o fã. Imitou gente sem ar infectada por covid? Ora, não pode ter bom humor?, pergunta o apoiador. tentou impedir que eleitores de Lula voassem em ações suspeitas da PRF? E cadê a prova que a ordem partiu dele?, pergunta o bolsonarista. Não adianta, podem ser joias presenteadas por xeique árabe, minuta de golpe etc.

Nos dois casos – Neymar e Bolsonaro – o modus operandi é o mesmo. O fã descola da realidade e ignora (na verdade rejeita, odeia) os fatos. Forjou uma imagem de seu herói (Neymar craque, gênio da bola, extrovertido, “pegador” e Bolsonaro patriota, defensor da família, bom militar, simples, humorado) que jamais é arranhada pela realidade. A mesma realidade que mostra um Neymar desinteressado com o time que lhe paga um alto salário e fora das listas de melhores jogadores e um Bolsonaro tosco, mau político, que agredia jornalistas e não soube controlar a inflação e a economia.

Não por coincidência Neymar apoiou Bolsonaro na eleição passada. Nada mais normal já que são dois homens que não assumem suas responsabilidades e se sentem satisfeitos em ter milhões de apoiadores que os ́ idolatram incondicionalmente e em contraponto a qualquer fato ou realidade concreta. A postura dos fãs do “menino” Neymar explica o caldo cultural que permitiu o “mito” Bolsonaro, um militar expulso do exército, ser alçado à presidência. A grosso modo tudo isso explica o Brasil fraturado de hoje. Vai levar tempo para que tanta gente volte a se conectar com a realidade.

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