Sem apresentar nenhum dado que justifique o pedido, o prefeito de Natal, Álvaro Dias (Republicanos), enviou para a Câmara Municipal de Natal, em regime de urgência, o Projeto de Lei que concede isenção do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) às concessionárias e permissionários de transporte público coletivo municipal.
O projeto estabelece que a isenção é retroativa a janeiro deste ano e tem duração até 31 de dezembro de 2024. No sistema legislativo, o pedido foi arquivado como o Projeto de Lei nº 401/2023 e está previsto para ser votado nesta quinta (20) pelos vereadores da capital.
As justificativas
No Projeto de Lei (PL), Álvaro Dias aponta que a isenção é necessária para “amenizar os impactos financeiros negativos” resultantes da pandemia da COVID-19 e para garantir o funcionamento do transporte público.
O prefeito de Natal também argumenta que o Governo do Estado concedeu benefício semelhante com a isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para o setor. No caso do imposto estadual, a isenção vai até o final deste ano.
“Álvaro Dias é inimigo do povo. Premia as empresas que retiram ônibus, extinguem e modificam linhas e que transportam o povo em condições precárias com isenção de imposto. A proposta cria condições muito tímidas para a concessão, como o retorno gradativo dos ônibus. Será que as pessoas que deixaram de ter direito ao transporte querem o retorno gradativo? Álvaro Dias bem que poderia perguntar à população se ela quer dar isenção a quem presta um serviço que, mesmo já sendo péssimo, piora a cada dia que passa?“, questiona o vereador Daniel Valença (PT).
As condicionantes
Para conceder a isenção do ISSQN, Álvaro Dias estabelece no Projeto de Lei que seja garantido o “retorno gradativo da frota que compõe o sistema de transporte coletivo municipal, de forma proporcional ao número de passageiros”, dados que nunca foram divulgados de maneira transparente pelo Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos (Seturn), nem pela Secretaria de Mobilidade Urbana (STTU).
Além disso, o PL também prevê que o Seturn garanta à STTU acesso ao banco de dados atual do sistema de Informações Gerenciais e ao Sistema Central de Armazenamento e Processamento de Informações do Natalcard; a manutenção do serviço gratuito da linha de ônibus circular (linha 588) no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal; das gratuidades já previstas em lei; e o cumprimento da tarifa social, que prevê meia passagem nos feriados municipais, estaduais e federais, mas apenas para quem usa o cartão eletrônico de passagem (Natalcard).
“É absurdo que se cogite qualquer isenção para as empresas de ônibus de Natal sem que haja contrapartidas que beneficiem a população efetivamente. Mais absurdo ainda é que esse pedido tenha sido enviado para a Câmara pela própria prefeitura, que lembra do nosso endereço para pedir essa sessão extraordinária, mas esquece na hora de mandar o estudo sobre os transportes que pedimos para, justamente, poder discutir questões como essa com mais dados e transparência. Não seremos coniventes com esse tipo de movimentação – e esperamos que a população esteja bem atenta ao andamento dessa pauta”, critica a também vereadora Brisa Bracchi (PT).
Linhas devolvidas
Durante a pandemia da COVID-19, 22 linhas deixaram de circular sob o argumento de baixa demanda de passageiros: 01A, 01B, 12-14, 13, 18, 20, 23-69, 30A, 31A, 34, 41B, 44, 48, 57, 65, 66, 81, 587, 588 e 592.
Já em março do ano passado, outras quatro linhas também foram tiradas de circulação: 68 (Alvorada – Parque das Dunas), 33B (Planalto – Lagoa Seca), 76 (Felipe Camarão – Parque das Dunas) e 593 (Circular Residencial Redinha).
Em maio de 2022, mais duas foram devolvidas: N-17 (Gramoré/Petrópolis) e O-19 (Rodoviária/Ribeira).
Já em abril deste ano, o Seturn tentou tirar quatro linhas do bairro das Rocas (linhas 46, 51, 52, 54 e 56), para encurtar o itinerário dos ônibus, o que só foi evitado pelas manifestações dos moradores.
No mesmo período, os empresários também alteraram o percurso das linhas 37, 105, 51 e 52, que deixaram de passar por alguns bairros. No caso dos ônibus 51, 52 e 105, operadas pela Via Sul, as linhas saíram da 1° Etapa do Conjunto Pirangi e passaram para o terminal do Serrambi, seguindo um novo itinerário.
Desde 2020, o poder público e a Justiça enfrentam uma queda de braço com o Seturn para que toda frota de ônibus seja colocada em circulação. No entanto, o acordo nunca chegou a ser cumprido pelos empresários, que mantiveram cerca de 70% da frota nas ruas.
Numa decisão de julho deste ano, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) manteve a decisão anterior, de 1ª instância, e determinou o retorno definitivo das linhas de ônibus em Natal que foram tiradas de circulação. A ordem judicial é fruto de uma ação movida pela deputada federal Natália Bonavides (PT-RN).
A sentença se refere as linhas 68 (Alvorada – Parque das Dunas), 33B (Planalto – Lagoa Seca), 76 (Felipe Camarão – Parque das Dunas) e 593 (Circular Residencial Redinha), além de outras 24 que pararam de circular desde o início da pandemia da Covid-19, quando houve redução nas linhas por causa da queda no número de passageiros para evitar um maior contágio pela doença. As 28 linhas retiradas representam cerca de 33% do total de trajetos que existiam na capital até o início de 2020.
Em abril de 2022, o juiz Artur Cortez Bonifácio já havia acatado um pedido feito por Natália Bonavides, através de uma Ação Popular, e determinou que o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Município de Natal (Seturn) restabelecesse as linhas extintas ou tiradas de circulação em Natal. Mas, na época, o Seturn recorreu da decisão.

A economia para o empresário de transporte
Entre 2020 e 2023, os empresários de ônibus que atuam em Natal e na região metropolitana economizaram, pelo menos, R$ 50 milhões com a desoneração do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o diesel, segundo dados da Secretaria de Tributação do Estado do Rio Grande do Norte.
A desoneração do imposto sobre o combustível começou de maneira parcial ainda em julho de 2020, no contexto da pandemia da covid-19, o que permitiu aos empresários do setor de transporte coletivo uma economia de R$ 2,1 milhões. A contrapartida exigida pelo Governo do Estado foi que os empresários não reajustassem o valor da tarifa cobrada aos usuários do transporte e mantivesse a linha 588 (o circular da UFRN) em funcionamento.
Já em 2021 e 2022 a isenção de ICMS sobre o óleo diesel passou a ser total (100%), resultando numa economia de mais R$ 32 milhões (sendo R$ 16 milhões de cada ano). Para 2023, foi renovada a isenção até 31 de dezembro, o que permitirá aos empresários do setor a economia de mais R$ 16 milhões.
Na esfera municipal, os empresários de ônibus de Natal também contaram com desoneração de 50% do ISSQN entre julho e dezembro de 2020. Já em 2021, o setor passou a ter isenção de 100% do imposto. O benefício foi renovado em 2022 e mantido até dezembro do ano passado.
Em 2020, quando havia apenas desoneração de 50% do ISS, a Procuradoria do Município calculou que o benefício resultaria numa economia de R$ 400 mil por mês para os empresários.
