OPINIÃO

Tá nascendo muita “feme”, né !?

O taxista parou na frente do hospital. Esperava a saída da enfermeira que sairia do seu plantão para voltar para casa. Morava na cidade vizinha e fazia aquele trajeto com o mesmo taxista sempre ao final de cada plantão. A vaga da frente estava guardada para ela. A enfermeira enjoava em viagens.

Com a intimidade construída entre passageira e condutor, graças a essas viagens de tanto tempo, a cordialidade e a amizade estampava-se na conversa travada entre essas personagens:

– Bom dia, Tânia. Como foi o plantão? Tranquilo?

– Oi, Seu Jorge. Tranquila nada. Foi um tirinete de mulher buchuda parindo a noite toda. Entrou pela madrugada. Tô aqui morta de cansada.

– O povo daqui gosta de fazer menino, disse o taxista, entre muitas gargalhadas.

– Gostam de fazer meninas, viu, seu Jorge. Foram cinco partos e todas as mães tiveram menininhas lindas.

– Agora tá nascendo “feme” demais, né? É uma femarada que não para de nascer. Vixe!

Esqueci de dizer que a testemunha ocular (ou seria auricular) dessa conversa, estava no banco de trás, calada… ouvindo. E ela não deixou de perceber a mudança de humor no tom da voz do motorista ao constatar que naquela madrugada, cinco mulheres nasceram. Não dava pra ver seu rosto, mas o tom, aliás, a mudança do tom, de animado a decepcionado caiu sobre o carro. Invadiu os espaços todos. Apagou as gargalhadas.

– Minha filha já pariu uma e tá buchuda esperando outra. É Muita “feme”. Só dá trabalho!

Acredito que ele não percebia que dentro daquele carro, fora ele, todos os seus passageiros eram passageiras. Ele verbalizava sua misoginia sem nenhuma consideração por suas clientes mulheres.

Ele continuava falando de amigos e de filhos de amigos que só estavam tendo “filha feme” – “Trabalhando pros outro! – Risos solitários.

Continuava desferindo a misoginia nossa de todo dia. Aquela que as mulheres sofrem o tempo todo, aquela que se naturalizou no discurso masculino e que se infiltrou na sociedade como água em esponja. Como primeiras águas sobre terra seca. A que se mimetiza e no final das contas contaminam até algumas mulheres que acabam amplificando-a na criação de seus filhos e filhas.

A enfermeira o interrompeu com uma pergunta tímida, mas que parecia querer fazer seu Jorge se dar conta que gostava de sua filha, de sua neta… Das mulheres de sua vida:

– Como está sua filha? Está saudável? Já tá perto de ter a sua nova netinha?

– Tá, sim. Menina bonitona! Né por que é minha, não, mas tá bonitona, grandona igual a mãe quando tava buchuda.

– E sua netinha?

– Ah, é um coisinha mimosa. Inteligeeeente! Sai com cada coisa. “Nasceu com “olho aberto! As criança de hoje são os cão de danada.”

Que bom que a conversa ganhou outro rumo… Mas a misoginia, nos acompanhou até o final do percurso.

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