No coração do Rio Grande do Norte, um grito pela existência ecoou de uma manifestação histórica no Forte dos Reis Magos. A contrariedade ao Marco Temporal, que representa uma ameaça à vida das populações indígenas no Brasil, foi gravada nos muros de uma estrutura construída por mão de obra escravizada de negros e indígenas. “Não ao PL/2903” e “Aqui é terra indígena”, a herança de opressão que se perpetua até os dias de hoje foi estampada na edificação militar.
Realizado num dia simbólico de luta de grupos excluídos em contraponto ao 7 de Setembro, o ato traz à tona uma série de questões que, infelizmente, há muito tempo permanecem negligenciadas em nossa sociedade. A manifestação nos lembra o genocídio que a população indígena de nosso estado sofreu ao longo dos anos. Uma chaga aberta em nossa história, uma ferida que nunca foi devidamente tratada.
Resultado de um processo de apagamento da história e luta dos povos originários, a falta da Memória, da Verdade, da Justiça e da Reparação tem perpetuado um ciclo de violências às comunidades indígenas. Não à toa, o RN é o único estado do Brasil sem território demarcado para os povos indígenas, e uma das últimas unidades da Federação a ter suas populações oficialmente registradas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Um testemunho da negligência contínua em relação aos direitos indígenas.
Também é importante destacar a árdua luta contra a historiografia que afirma que os povos indígenas do Rio Grande do Norte foram dizimados. Na realidade, 16 comunidades indígenas do estado estão buscando a demarcação de suas terras e a garantia de seus direitos constitucionais. O registro feito com tinta vermelha no Forte dos Reis Magos é o retrato sem retoques de uma dívida histórica que não pode mais ser ignorada. É um apelo para que reconheçamos a importância da preservação das culturas e territórios indígenas.
Ao contrário da afirmação de vandalismo que tem ganhado o debate público em torno da questão, o protesto não envolveu depredação de patrimônio. O valor para se apagar esse simbólico registro é incalculavelmente menor do que o preço que os povos indígenas têm pago com suas vidas ao longo dos séculos. Quantos mais terão que morrer antes de reconhecermos a centralidade do debate, que deveria ser a vida e os direitos dos povos indígenas?
No dia seguinte à manifestação, o Ministério Público do Rio Grande do Norte anunciou que investigará a autoria da gravação no Forte. No entanto, esse mesmo órgão tem sido notavelmente lento para investigar ameaças à proteção de áreas de preservação ambiental. Isso é evidenciado por casos como o desmatamento na Zona Norte de Natal, onde a prática da carcinicultura devastou uma área de mangue que estava sendo recuperada com esforços desde 2016. Apesar das denúncias protocoladas, as ações de desmatamento continuaram sem interrupção.
É inegável que o debate em torno da manifestação no Forte dos Reis Magos está equivocado. A vida dos povos indígenas é o cerne dessa questão, e essa deve ser a centralidade do nosso debate. É hora de reconhecermos as injustiças históricas, de protegermos os direitos indígenas e de garantirmos a preservação das terras e culturas que são essenciais não apenas para os povos indígenas, mas para a riqueza cultural e ambiental de nosso país.