Imagino um aluno que nunca teve aulas comigo chegando em casa e dizendo aos pais?
– “Mãe, pai, minha professora é uma travesti.”
Como eles recebem essa informação ainda é uma coisa que, só se eu virasse uma mosquinha, saberia.
Mas confesso, me enche de curiosidade. De vez em quando, geralmente quando recebo novas turmas, ou novos alunos, essa curiosidade me cai no colo.
Que caras? Que perguntas? Que preconceitos são destilados? Será que os alunos, sobretudo os meninos, recebem alertas: CUIDADO! – afinal, uma travesti é sempre um perigo, né?! – Ou coisas do tipo: “Como assim, travesti?!?!”; “Uma travesti dando aula?”; “Ela ensina o quê?”; “Ela dá em cima de vocês?”; “Fala de sexo?”; “Ensina putaria, só pode!”; “Ah, eu vou na escola saber dessa história!”
Ou o choque é positivo? “Ela deve ser barra!”; “Deve ter passado por muita coisa pra ter conquistado esse emprego!”; “Como é a aula dela?”; “Não tem nada a ver. Respeite, é sua professora!”; “Ah, eu vou na escola pra saber como ela é!”; “É bonita?”…
Essa curiosidade é legítima porque meus alunos podem replicar preconceitos aprendidos em casa e nos espaços sociais que frequentam, mas também podem ser os transformadores sociais que queremos.
Reconheço o ineditismo para a maioria dos estudantes desse país ter uma professora travesti. E se pensar em Nordeste, em Sertão, uma professora travesti é quase um diamante azul – raríssima!
Mas confesso que fico muito feliz em dizer que durante todos os meus anos de sala de aula, depois da surpresa e da curiosidade, eu deixo de ser uma travesti, a travesti professora, o ser raro que transita no espaço escolar e passo a ser somente Bia, Tia Bia, Tia, Professora. Mimetizo-me a minha profissão, ao espaço laboral, aos corredores da escola, às reuniões de pais (que depois do primeiro contato, perdem o interesse em mim – KKKKKKKK)
“É uma professora como as outras!”
Sim, sou uma professora como as outras. Sou uma pessoa como as outras. Sou um ser humano como os outros. Meu trabalho é ensinar. E cada vez mais, eu tomo consciência de que minha presença dentro da escola ensina mais que tudo.
Ensina diversidade, ensina respeito, ensina naturalização de um corpo travesti andando de dia e trabalhando em “lugar descente” (porque nos querem apenas na sarjeta), transitando nos corredores da escola, acompanhando os alunos no desfile cívico do 07 de setembro, cumprindo sua labuta, levando seus alunos para a biblioteca, ensinando-os a usar a língua…
Não se assuste! Eu sou professora de Língua Portuguesa!