Nesta segunda-feira, uma amiga conta que, doente, precisou ir numa UPA e lá, havia fila com algumas pessoas idosas à frente dela. Um senhor lá pelos 70 anos começou a reclamar em voz alta do atendimento demorado, até que soltou a frase:
– “O Brasil não em jeito”.
Achei curioso que na semana passada, ao tomar café em uma padaria da Avenida Abel Cabral, em Nova Parnamirim, duas mulheres reclamavam das obras sem fim de recuperação de pistas na área e, uma delas, soltou quase a mesma frase:
“O Brasil é caso perdido, não tem jeito”.
Ou seja, a totalidade dos nossos problemas é sempre culpa dessa estranha força conceitual chamada “Brasil”, seja referindo-se ao Governo Federal, eterno e responsável e culpado por tudo que acontece do Oiapoque ao Chuí, seja por uma falha histórica nossa como nação ou algo do gênero.
Boa parte dos cidadãos médios não tenta encontrar responsáveis ou culpados na sua área de visão. Pois sobre os casos relatados acima, pesquisei para ter certeza que as UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) são de responsabilidade compartilhada, de forma tripartite, entre a União, Estados e Municípios e gerenciadas pelas secretarias de saúde dos municípios. E reforma asfáltica ou de paralelepípedos em ruas (excetuando BRs e avenidas intermunicipais), assim como iluminação pública, é de total responsabilidade de todas prefeituras.
É sempre perigoso generalizar, mas parece que boa parte dos brasileiros têm pudor em encontrar (e cobrar) soluções nas proximidades, preferindo sempre culpar gestores que estão bem distantes, inacessíveis, em Brasília, geralmente, longe dos olhos e da bílis do cidadão/eleitor.
Talvez porque seja mais cômodo espernear contra um poder simbólico, contra políticos distantes, do que gritar contra o vereador que mora na rua vizinha ou o prefeito que pode ter amigos lá no estabelecimento onde o reclamante está.
Isso é ruim, em todas as esferas. Primeiro porque faz o cidadão aos poucos perder o foco sobre as responsabilidades de cada poder (municipal, estadual e federal). Segundo porque cria uma corrente de ódio ao poder “lá em cima” (presidente ladrão, deputados safados que só querem o bem e bom de Brasilia, político é tudo corrupto etc) e uma outra corrente de proteção ao poder “aqui do lado” (os mesmos que criticam “os políticos de Brasília” fazem vistas grossas com prefeitos, vereadores e secretários municipais com que salários de 15 mil compram mansões, granjas, carros de luxo). Dois pesos e duas medidas, enfim.
Portanto, o Brasil sempre é o local “que não em jeito”, por incompetência e/ou corrupção das autoridades federais ou de uma sina, um fracasso crônico do país, como já foi dito. Não que o poder federal não tenha suas falhas graves, inclusive nos últimos quatro anos ele foi cruel com a população e abdicou de enfrentar uma pandemia que vitimou 700 mil brasileiros e brasileiras. Mas, a César o que é de César. E aos prefeitos e vereadores o que é aos prefeitos e vereadores. Que sejam cobrados pelos cidadãos e cidadãs com o mesmo ímpeto e mesmo tom de voz que são cobrados os ilustres “políticos lá em Brasília”. A vida é um fato local, como dizem. Parte das cobranças também deve ser. O Brasil pode não ter mais jeito. Mas vai que sua cidade tenha.