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Quando o elevador abriu-se no 5° andar eu fui convidada a entrar em uma oca. Uma indígena potiguara me conduzia a uma experiência única: a de ser abraçada por uma ancestralidade que ali também habitava.
Os encantados estavam todos naquela oca feita de ferro, cimento e concreto, pendurada em um universo urbano cinzento e individualista. Mas eles estavam lá, residiam e resistiam lá, junto com aquela mulher ancestral que me apresentou a cada um deles espalhados em cada canto da oca.
Minha avó estava lá, como a mãe e a avó da minha anfitriã. Sentíamos a presença delas no gosto da tapioca feita com coco fresco, rapado pelas mãos daquela potiguara que mansamente me acolhia. Na energia que emanava desses seres evocados por nossas memórias.
Elas estavam conosco ao redor daquela mesa, nos alimentando de coragem e boas lembranças. Lembrando-nos de onde vínhamos e do que éramos feitas. Lembrando-nos de raízes profundas que nasceram de uma mesma mãe e nos uniam naquele instante.
Surpreendi-me pensando que nos ensinaram com preconceito sobre o que era ser uma pessoa indígena: que ela deveria viver na floresta, ser selvagem, falar uma língua tribal e viver seminua coberta de penas e tintas.
Não nos ensinaram que essa condição étnica não restringia essas pessoas à selvageria. Diante de mim havia uma potiguara sem penas nem tintas. Mas que já usou sua pena para escrever com sua tinta, grandes poemas, artigos científicos e registrar sua enorme sabedoria.
Diante de mim havia uma indígena pós-doutora, escritora, ancestral sábia e inteiramente dona de seus saberes e vivências. Bebi dela. Absorvi sua sabedoria com paixão e encantamento.
O feminino era também morador daquele lugar, e nossas mulheridades dialogavam com a ancestralidade que continuamente evocávamos, como que uma necessidade. Nossas anciãs nos embalaram nesses dias de encontro, dentro e fora da oca do 5° andar. Lugar mágico que se fechou com as portas metálicas do elevador, mas que se abre todas as vezes que fecho os olhos e penso em Graça Graúna Potiguara abrindo sua boca e seu coração para que a ancestralidade não se perca, não nos abandone e nos una novamente e sempre.