O ronceiro em Álvaro Dias

Tem algo de ronceiro no animal político Álvaro Dias. A impressão pode ser sugestionada pela enxúndia que dita o ritmo físico do prefeito, mas ampara-se também no método dele em seus volteios políticos. Com sua lerdeza calculada, típica dos pragmáticos, Dias cultiva a prudência quase como uma neurose, de vez em quando rebaixando-a a hesitação. Em 2022, o seu método contribuiu para retardar a definição do cabeça da chapa de direita contra Fátima, dando à governadora tempo para cooptar Carlos Eduardo Alves e alijar o nome mais forte, junto com o do próprio Dias, para enfrentá-la. Pessoalmente, ele nada perdeu com o retardo que inviabilizou a aliança competitiva, porque o candidato do seu interesse direto – Rogério Marinho – elegeu-se ao Senado.
O resultado pode entrar na lista de danos colaterais da estratégia e deve-se em parte à presença de Rafael Motta na disputa. É consenso que, ao solapar o embate direto Marinho-Alves, ele botou uma cunha no crescimento de Carlos à direita e à esquerda, favorecendo Rogério. O enredo voltou ao cartaz na semana passada, com o anúncio da aliança celebrada entre as cúpulas nacionais do PSB e do Republicanos, os partidos de Motta e Dias. Foi um cutucão do acaso na ronceirice de Dias, forçando-o a adotar, da lista de cinco nomes que até então acalentava, o nome de Rafael como pré-candidato in pectoris a prefeito de Natal. Até que o acaso – ou o interesse – o cutuquem de novo.
Assumir a parceria com Motta tem várias utilidades para Dias. Livra-o do fiasco, até aqui inescapável, na estratégia de gerar nas próprias entranhas nome de sua confiança e de seu controle para sucedê-lo. Os escolhidos na máquina – Joanna Guerra, Carlson Gomes, Thiago Mesquita – ainda pairam no céu das especulações, mas não conseguem atingir nem a altitude de balão de ensaio. A sucessiva exposição dos três nas agendas oficiais e na mídia simpática ao projeto não elevou nenhum deles sequer ao patamar de ‘candidato apoiado por Álvaro Dias’ nas pesquisas – na faixa de dez por cento, quando muito, considerada a margem de erro. O desempenho nominal de cada um aproxima-se do traço, sugerindo que a exposição é insuficiente e os nomes são pesados. É pouco poder de transferência para um gestor aprovado por 60 por cento da população.
Com a aliança que lhe dá a opção Motta, Dias pode desistir dos pupilos sem ficar órfão na disputa ou ser compelido a apoiar indicações de lideranças que não deseja turbinar, com vistas não a 2024, mas a 2026. Rafael também vale como gesto adicional no reposicionamento que o prefeito realiza, da direita para o centro com viés de esquerda.
Desde a posse de Lula, Álvaro já rompeu publicamente com o bolsonarismo encarnado por Rogério Marinho, com quem trocou farpas; participou de eventos do governo federal no Rio Grande do Norte, cobrindo Lula de elogios em discursos; e até admitiu, como parte do jogo político, a hipótese de compor com o PT na sucessão em Natal.
O rechaço público de Natália Bonavides sugere que Rafael é o que Álvaro terá de mais parecido com um candidato de esquerda. Rafael será também um fantasma a rondar a pré-candidatura de Carlos Eduardo Alves, que ainda não deve ter esquecido do trauma com a performance dele para o Senado em 2022. Nos 385.275 votos que Rafael teve, certamente estariam, se ele não fosse candidato, os 143.027 que faltaram a Alves para vencer Marinho. Desta vez, Rafael vai tirar de Carlos votos que podem ajudar a eleger, não alguém da extrema direita, cada vez mais encolhida e sem presença expressiva nas pesquisas; mas da esquerda.