O prefeito Álvaro Dias (Republicanos) e seu novo pupilo, o ex-deputado federal Rafael Motta (PSB), dançaram no fim de semana o segundo movimento da coreografia com a qual pretendem atravessar a pré-campanha e chegar a 2024 em pleno viço eleitoral. Ao nomear Motta para a Secretaria de Esporte e Lazer, Dias consolida aqui a aliança tecida pelo comando nacional das legendas e passa a ter uma opção de candidatura competitiva, livrando-se das três bolas de ferro – Joanna Guerra, Carlos Gomes e Thiago Mesquita – às quais acorrentara em vão o desejo de reafirmar liderança em Natal mesmo sem ter o nome na urna. A coreografia prosseguirá com aparições da nova dupla nas agendas da Intendência, turbinadas pelo ciclo Natal/Carnaval que se inaugura, e nas varandas do veraneio onde criadores e criaturas de sua classe rivalizam com o sol.
Com o par de asas do arcanjo a seu serviço, Dias agora pode dar curso ao projeto autônomo ou, se as armações futuras assim recomendarem, apenas usar sua sombra para negociar posição vantajosa em chapa alheia ou reciprocidade na eleição ao Governo do Estado ou ao Senado em 2026. Quanto a Motta, matricular-se nas hostes do alcaide é o máximo de elevação eleitoral a que pode aspirar no momento. Se fosse uma potestade real, com autonomia de voo para subir aos céus e descer à terra como e quando quisesse, ele escolheria ficar à esquerda do trono da Altíssima, repetindo a estratégia forçada em 2022. Porém, esse lugar de estima já pertence a Natália Bonavides, forçando-o a migrar de volta para as cortes celestiais da direita.
A nova companhia orna mais com Motta, uma típica flor da estufa mais prolífica na política potiguar: a das dinastias intermináveis. Ele é da terceira geração de políticos da família Motta. O avô Clóvis foi deputado e vice-governador do estado. O pai Ricardo manteve, até evaporar nas chamas da Operação Candeeiro, um feudo eleitoral cevado na Presidência da Assembleia Legislativa e em espaços generosos no governo de Rosalba Ciarlini. Rafael foi beneficiário direto do poder paterno, que em 2012 ungiu-o vereador em Natal e depois deputado federal por duas vezes, sempre com votações expressivas.
Segundo o Ministério Público, os benefícios teriam incluído usufruto de recursos desviados por organização criminosa estruturada no Idema e desbaratada na Candeeiro. Delatores informaram que parte dos R$ 34,9 milhões surrupiados irrigou as campanhas de pai e filho em 2012 e 2014. Os dois negaram os crimes, mas desceram ao purgatório político por causa deles. O pai, que tivera mais de 80 mil votos quatro anos antes, não conseguiu reeleger-se à Assembleia Legislativa em 2018. O filho ainda obrou o milagre de se reeleger deputado federal, mas viu a votação despencar de 176.239 para 82.791, perdendo a confiança de 93.448 eleitores. Em 2022, Rafael não ousou apostar contra o viés de baixa para deputado federal. Preferiu a estratégia de dobrar a parada e forcejar junto ao eleitor de esquerda uma dobradinha informal com a governadora Fátima Bezerra (PT), que disputou a reeleição em aliança com Carlos Eduardo Alves para senador. O que o arcanjo conseguiu foi um milagre às avessas: a vitória de Rogério Marinho. Se recordarmos que Marinho era apoiado por Dias, a abdução de Rafael pelo prefeito parece natural. Mas traz para o eleitor que rejeitou Alves e escolheu Motta, por enxergar neste o antídoto ao bolsonarismo daquele no segundo turno de 2018, uma indesejada epifania: o maior milagre do arcanjo, ora revelado, foi fazer a esquerda votar na direita para não votar na direita.