Gatilho, gatilhos, foi o que recebi ao me deparar com uma página do Instagram, dessas que discutem língua portuguesa de forma “divertida”, com um meme para lá de criminoso. Um meme fazendo piada com a morte de uma criança, banalizando a morte de uma criança. E sabe por quê? Porque a criança em questão era uma criança Trans, Não-binária, LGBTQIAPN+, dissidente...
O meme, desenhado numa sequência de dois quadros, trazia uma criança em um leito de hospital, ligada às máquinas, e um pai chegando para fazer uma visita. Nos balões de diálogos do primeiro quadro a seguinte conversa é apresentada:
- Oi filho! – Diz o primeiro balão!
- Filhe! – Responde a criança ao pai, demarcando, através da linguagem não-binária que se referia a uma criança Trans.
No segundo quadro há apenas um balão em que o pai diz:
- Desculpas, filho! – Deixando claro que ele não iria aceitar chamar de “filhe” aquela criança Trans.
E o mais grave, o pedido de desculpas é acompanhado por uma lágrima que escorre do rosto do pai, enquanto ele desliga os aparelhos que supostamente estão mantendo a criança hospitalizada viva.
Pois é, o assassinato de uma criança Trans Não-binária foi usado como piada. E aí eu pergunto: pode virar piada, a morte de alguém!?
Os muitos discursos que atravessam esse meme são os de não-aceitação; de falta de respeito à vida; da banalização da morte de pessoas Trans, transformando seus extermínios em humor; de invisibilização da existência de crianças Trans; de cometimento de assassinato por questões de gênero; da permanência do discurso transfóbico “não permitiremos que pessoas Trans existam”; de não-validação da linguagem não-binária, como se ela não fosse possível.
Discursos de ódio e de desamor, de desumanidade e maldade, de falsa moralidade e exclusão, de hipocrisia e falta de empatia. Discursos que matam lentamente as pessoas, que atravessam muitas pessoas, que maltratam e minam a saúde mental de muitas pessoas, que impossibilitam a vida plena de muitas pessoas: pessoas Trans, pais afetivos de filhes Trans, mães orgulhosas de filhes Trans, irmãos protetores de outros, outras e outres tantos irmãos, irmãs, irmanes Trans, amigos, amigas e amigues de pessoas Trans...
Muita gente é acertada quando esses gatilhos disparam. E se era pra fazer graça, quem riu?! Que tipo de gente é essa que ri da morte alheia?! Que tipo de gente é essa que ri da morte de uma criança!? Que tipo de gente é essa que ri com a imagem de um pai desligando as máquinas de um hospital para que seu/sua filho, filha, FILHE, não possa existir!?
Nem são pessoas. Não se pode chamar de gente! São os verdadeiros seres do mal encarnado se fazendo presente entre pessoas, entre gentes, entre nós, que, nesse mundo tão desumano, só queremos sobreviver a tanto ódio.