Bia Beatriz, a travesti de Mossoró internada com sinais de espancamento
Natal, RN 19 de abr 2024

Bia Beatriz, a travesti de Mossoró internada com sinais de espancamento

22 de agosto de 2019
Bia Beatriz, a travesti de Mossoró internada com sinais de espancamento

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Mossoró - Com uma maquiagem marcante e o jeito alegre de levar a vida, Bia Beatriz, 35 anos, é uma figura bastante querida entre os mossoroenses. A popularidade dela é tamanha que no carnaval deste ano foi homenageada pela troça “La Ursa Trans&Tais” da rede Dê’bandeira, ONG formada por pessoas LGBT.

Bia Beatriz nasceu Maxwendel Paulista de Figueiredo. Ela é responsável pela família. De acordo com os familiares de Bia, sua rotina se resume a cuidar dos dois irmãos e da mãe, hoje com início de Alzheimer. A irmã relata que todos os dias, Bia Beatriz sai de casa às 5h da manhã, compra o cigarro da mãe, volta em casa para deixar, segue com destino ao Vuco-Vuco e depois Hotel Caraúbas, centro de Mossoró, local reconhecido como zona boêmia, com presença de trabalhadoras sexuais.

Na manhã de 16 de agosto, vídeos de câmera de segurança do próprio hotel mostram a travesti entrando no prédio. Em determinado momento, Beatriz se desequilibra e cai, batendo a cabeça no chão. Embora haja registros visuais que comprovem o lugar, a hora e o momento em que Bia caiu, não se sabe o que ocorreu até ela ser socorrida pelo SAMU e encaminhada ao Hospital Regional Tarcísio Maia (HRTM). Fotografias dela deitada no chão com os olhos roxos e envolta em poças de sangue circularam pelas redes sociais, causando alvoroço na cidade. No pronto-atendimento, médicos constataram vários ferimentos pelo corpo. Bia passou por exames de tomografia que diagnosticaram traumatismo de crânio e lesões na face.

Queda ou agressão ? O que os vídeos não mostram

Após a divulgação dos vídeos, a justificativa da queda como origem dos traumas logo foi aceita. A cidade acreditou que todo o sangue espalhado no piso do bar do Hotel Caraúbas foi devido a um ataque epilético ou mal súbito que a levou ao chão, como os blogs e portais de notícias divulgaram. No entanto, de acordo com testemunhas que acompanharam de perto a entrada no hospital, os médicos de plantão questionaram essa versão, dado o estado grave em que Bia Beatriz chegou ao hospital.

Após apurar as diversas versões e checar as informações dos médicos, a Coletiva Motim Feminista, grupo que luta pelos direitos das mulheres em Mossoró, publicou, em suas redes sociais, uma nota cobrando uma investigação mais aprofundada do caso, sob a suspeita de crime de ódio. No comunicado, o grupo questiona:

“A queda que Bia sofreu pode ter dado causa à fratura no nariz e algumas lesões na face – mas é incapaz de explicar seus olhos roxos (evidentes em fotos compartilhadas nas redes sociais), o politraumatismo no crânio, rosto e tórax, lesões na nuca e espalhadas pelo corpo. O próprio prontuário médico questiona esta versão dos fatos que resume o acontecimento a uma mera queda. O Brasil é o país que mais mata pessoas LGBT no mundo. E a expectativa de vida de uma pessoa trans é de apenas 35 anos. Mossoró surge, nesse cenário, como um espaço onde a violência é um sintoma do ódio”.

Leia aqui a nota completa

Na manhã de quarta-feira (21), Maxwelle Paulista de Figueredo, irmã de Bia, prestou queixa no 2º Distrito Policial de Mossoró, sob o comando do delegado Valtair Camilo de Paiva. No Boletim de Ocorrência, a irmã relata que Bia está internada no Hospital Regional Tarcísio Maia “em razão de suposta agressão física; Que a vítima apresentava lesões na cabeça, nariz, braços, pernas e região do pulmão”.

Maxwelle também duvidou da versão de que os ferimentos seriam consequência da queda, "pelo o estado que eu vi ela, eu acho que ela foi agredida antes da queda. A gente quer ter a certeza se ela foi espancada ou não, mas isso só poderá ser feito quando ela sair do hospital", afirmou.

Bia Beatriz segue internada, mas o estado dela é estável e fora de risco. De acordo com Maxwelle, Bia já abriu os olhos e interage através das mãos.

“A gente perguntou se ela queria ver mamãe e a resposta foi um aperto de mão muito forte”, afirmou.

Outros coletivos também se solidarizaram com o caso, como a Rede Dê’bandeira que iniciou uma campanha de arrecadação de alimentos, fraldas geriátricas e toalhas umedecidas para dar assistência à família e a Bia, durante período de internação. Políticos locais também se pronunciaram. A deputada estadual Isolda Dantas (PT) entrou com pedido de investigação junto à secretaria de segurança.

O Delegado Valtair Camilo de Paiva, que está à frente do caso, não quis se pronunciar em razão da Polícia Civil estar em diligência apurando as informações a respeito do dia do acontecido.

Caso Dandara ainda espera respostas do poder público dois anos após morte brutal

Assim como Bia Beatriz, a vida de muitas travestis não se resume à alegria. Ao contrário, ainda pagam um preço por exercer sua liberdade. Excluídas do mercado de trabalho, muitas acabam recorrendo à prostituição como único meio de sobrevivência. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% das pessoas trans recorrem à prostituição ao menos em algum momento da vida. Como se não bastasse, essas pessoas estão sujeitas à violência. Dados da ONG Transgender Europe (TGEU) apontam que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo.

Um triste e notório crime de ódio contra pessoa trans foi o caso Dandara. Filmado e compartilhado nas redes sociais, Dandara foi torturada e morta a tiros. Seus agressores a colocaram num carrinho de mão e saíram desfilando o seu corpo, que recebia chutes e xingamentos por onde passava. Tudo isso no meio da rua. Em plena luz do dia.

Dois anos após sua morte, o caso ainda espera respostas do poder público. Até o momento, dois dos 12 acusados de sua morte continuam foragidos e políticas públicas para a proteção da comunidade LGBT no Ceará, prometidos após o assassinato, não saíram do papel.

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