Há anos que pesquisas científicas apontam os benefícios do uso medicinal da Cannabis. Mas, no Brasil, sua regulamentação segue entraves que pacientes que dependem da medicação não podem esperar.
Em seis anos, quando começou o processo de importação do óleo da Cannabis, houve um aumento de 2.400% no número de solicitações por ano, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Somente até setembro de 2021, foram 22.028 novos pedidos de importação.

“Na farmácia, a medicação custa R$ 2.500, se for importada sai por R$ 800 a R$ 1.500. Já produzindo em casa, sairia em média por R$ 200”, explica Felipe Farias, presidente da Associação Reconstruir Cannabis Medicinal, que tem atuação em Natal (RN).
A Associação aguarda uma decisão de 2ª instância do TRF 5, em Recife, para que a instituição possa produzir o fitoterápico à base de Cannabis. Numa ação em 1ª instância, o juiz Janilson Siqueira, da 4ª Vara Federal do RN, decidiu contra a produção. Com isso, desde 2019 a produção ficou suspensa e os pacientes tiveram que buscar a medicação em outros estados ou recorreram à importação.
Mas, uma página dessa batalha foi virada nesta quarta (19), quando os deputados que fazem parta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do RN aprovaram um projeto de lei que incentiva pesquisas ligadas ao uso medicinal da Cannabis e campanhas educativas para promover o acesso aos medicamentos à base da planta no estado. O projeto foi proposto pela deputada estadual Isolda Dantas (PT).

Durante a votação, pais e mães de crianças que fazem uso medicinal da Cannabis explicaram a necessidade de facilitar o acesso à medicação.
“Tenho um filho com 5 anos de idade que nasceu plenamente normal e teve um desenvolvimento comum até 1 ano e 3 meses. Meu filho tomou a vacina da tríplice viral, e aqui não é um depoimento contra vacinas, é uma coisa que acontece com crianças que não estão com o organismo preparado e têm doenças genéticas acordadas depois de uma vacinação, viroses e etc. Em seis meses, ele parou de andar e perdeu o controle do pescoço. É uma situação muito difícil porque os médicos, geralmente, não sabem o que está acontecendo. Graças a Deus tive apoio familiar e condição financeira que me possibilitou ir a São Paulo, fazer exame de DNA e descobrir que meu filho tem uma síndrome genética. Descobri que a doença do meu filho tem um efeito parecido com esclerose múltipla e que o tratamento dele poderia dar certo com Cannabis”, relatou Gustavo Brito, servidor legislativo.
Na prática, a ideia é facilitar o acesso ao uso medicinal de medicamentos à base de canabidiol já que, atualmente, esses medicamentos são de alto custo.
“Ouvir esse depoimento nos dá a certeza de que estamos cumprindo nosso papel de legisladores de maneira correta. Nosso papel aqui é garantir o direito à saúde através do apoio a pesquisa”, comentou a parlamentar.
Foi pesquisando por terapias que pudessem reverter a síndrome do filho, que Gustavo soube do potencial do uso terapêutico da Cannabis. No entanto, ele esbarrou na falta de informações.
“Não havia artigo científico porque a doença do meu filho é rara. Pesquiso tudo e descobri a Cannabis. O neurologista explicou que tinha o acompanhamento dessa terapêutica para outras doenças e que o resultado era interessante, mas que não tinha plena segurança para tratar meu filho, mas se eu quisesse, poderíamos fazer o teste. Eu tive a coragem e fiz. Poderia ser cocaína, heroína ou qualquer outra droga proibida no Brasil. Tive um resultado muito bom, junto com todas as outras terapias: fisioterapia, fono, natação, ecoterapia. O que mais me interessou na Cannabis foi a facilidade com que meu filho teve uma resposta e a possibilidade que outras crianças e doenças sejam tratadas. Mas por que isso não acontece? Por desconhecimento! Não queremos que a Casa saia legalizando a Cannabuis sem controle, não é uso social, esse é um outro tema e que merece discussão, porque nós temos a mesma política pública há mais de 50 anos e o tráfico não deixou de existir. Mas, estamos falando de uma discussão medicinal”, criticou.
Mãe de uma criança que sofre de um quadro grave de epilepsia, a jornalista Juliana Lobo contou que os medicamentos à base de cannabis reduziram as convulsões do filho de 300 por dia para dez. Há sete anos ele faz terapia com os medicamentos. “Hoje meu filho consegue viver. Antes, ele não conseguia porque sempre estava em convulsão. Hoje, ele nos procura, sorri, interage conosco, e foi graças à cannabis”, defendeu Juliana.