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“Hoje eu perdi o meu crachá e quando fui refazer, o instituto disse que não havia mais suporte nem o cordão que usa para sustentar o cartão”. Foi assim que Hugo Manso, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, iniciou a entrevista à agência Saiba Mais, mostrando como os cortes feitos pelo Ministério da Educação, em maio, já estão se manifestando até nos pequenos serviços das instituições. O também diretor de comunicação do Sinasefe (Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação) questionou a eficácia da gestão do Ministério da Educação e classificou o projeto Future-se como “sem futuro”.
Não somente o cordão e suporte para o crachá está em falta no IFRN. O instituto com 28 mil alunos distribuídos pelos 21 campi no Estado enfrenta uma crise muito maior e que chegou até no abastecimento dos bebedouros. O fornecimento de água mineral no campus Central, em Natal, foi suspenso. O motivo? A falta de dinheiro: com os cortes anunciados em maio, o IFRN perdeu 27 milhões nos recursos repassados pela União, um corte de 38% no orçamento destinado ao funcionamento da instituição.
“São coisas simples, mas que já revelam os impactos desses cortes na instituição, que nem água mineral está mais comprando para abastecer os bebedouros, devido à falta de dinheiro no orçamento”, afirma Hugo Manso. “Daqui a pouco, o nosso jardim não receberá mais manutenção. Nós temos 113 trabalhadores terceirizados, que trabalham mantendo a limpeza básica do campus. Não haverá orçamento para manter esses contratos. Como vamos manter o jardim bonito?”, questiona o professor, revelando a preocupação com o funcionamento básico da instituição - ameaçada de não ter orçamento para manter as atividades já a partir de setembro.
Hugo Manso é professor de mecânica do IFRN, no campus Natal Central, desde 1991, na época, o antigo Cefet. Formado em Engenharia Mecânica e mestre em Educação, Hugo já foi vereador de Natal, candidato ao Senado Federal, foi representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e luta na defesa dos Direitos Humanos, do Direito à Cidade, da Educação Básica e Tecnológica, Cultura, Ciência e Tecnologia. Atualmente é diretor de Comunicação do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe Natal).
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IFRN já sente os cortes no orçamento da Educação: não tem mais água no bebedouro[/caption]
‘Busquem o mercado para te financiar’
Anunciado pelo Ministério da Educação em julho, o programa Future-se é uma iniciativa do Governo Federal que estabelece às Universidades e Institutos Federais a implementação de modelos de negócios para angariar financiamento fora da União, por meio, por exemplo, de empresas e organizações privadas.
“Em maio nós fomos às ruas, com mobilizações grandes no Brasil inteiro, mas, em vez de ouvir a população que era contra os cortes na Educação, a resposta de Governo foi formalizar os contingenciamentos. Eles deram o corte e disseram ‘se vire’; depois, disseram como precisávamos nos virar, com uma nova legislação que muda 16 leis”.
A mudança citada pelo professor está no programa do Future-se, posto em consulta pública até 15 de agosto, até seguir para votação no Congresso Nacional, e sugere alterações na redação de leis como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, além de mexer em legislações econômicas, sobretudo naquelas que exigem da União o repasse de recursos suficientes para que essas instituições funcionem.
O projeto, segundo ele, é uma ameaça à autonomia e um perigo para o IFRN, Ufersa e UFRN, no Rio Grande do Norte, instituições que serão postas para ambientar suas políticas numa lógica “empreendedora, em busca de financiamento do mercado econômico, para conseguirem funcionar”.
“É um projeto muito perigoso porque descaracteriza o ensino, a pesquisa e a extensão. A ideia da educação ser pública e gratuita é porque você tem que oferecer oportunidade iguais para para todos, e quem financia isso é o Estado, com o dinheiro dos impostos. Na hora que você diz às Universidades e Institutos irem à luta em busca de financiamento no mercado, a tendência são as empresas não terem dinheiro nem interesse para financiar tudo isso”, denuncia Hugo, ex-presidente do Partido dos Trabalhadores, em Natal.
Encabeçado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, o texto foi tratado com preocupação por profissionais da área, que criticam os interesses por trás da proposta alinhada com as diretrizes do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro.
O ‘Future-se’ se ambienta num modelo onde as instituições comercializam, por exemplo, nomes e estruturas de prédios públicos dentro dos campi e reúne recursos por meio da iniciativa privada, que seria responsável por doar a um fundo de participação que promoveria o financiamento das Universidades e Institutos. O dinheiro obtido junto às empresas somaria-se aos repasses feitos pela União - que seriam reduzidos - para consolidar um fundo que não se sabe se será único para essas instituições.
“O que eles estão dizendo [com a proposta]? ‘Não haverá mais esse investimento [da União]; procure a iniciativa privada’”, alerta o sindicalista: “Mas vamos supor: imagine uma empresa privada como a Ford, a Volkswagen, elas vão investir na Universidade? É possível. Mas ela vai investir numa coisa que ela tem interesse e que ela controle”, completa.
“O ‘Future-se’ é ruim do ponto de vista pedagógico e econômico porque ou você está numa área e desenvolve uma pesquisa que promova interesse a uma empresa para receber financiamento, ou você tem dinheiro para financiar os próprios estudos. A ideia do filho do pedreiro virar engenheiro morre. A ideia da filha de um terceirizado do IFRN ser uma estudante do campus morre”, finaliza.
