Para o editor-executivo do site The Intercept Brasil Leandro Demori, o jornalismo não passa por nenhuma crise. Aliás, com as ferramentas disponibilizadas na internet nunca foi um tempo tão rico e propício para investigar e fazer jornalismo.
Demori abriu na segunda-feira (31) a semana "
Manual de Sobrevivência da Mídia Independente e Alternativa" em comemoração aos 3 anos da
agência Saiba Mais.
O evento segue até sábado (5) com a participação de jornalistas e veículos da mídia independente do país e também do Rio Grande do Norte. Na abertura, Leandro Demori conversou com os jornalistas Rafael Duarte (agência Saiba Mais) e Jana Sá (Contrafluxo):
- O que está em crise é o modelo de sustentabilidade financeira das empresas. Estamos descobrindo agora um novo modelo. O modelo antigo também não era bom, baseado principalmente em anúncio de governo e de empresa privada. Então se a Nestlé coloca um anúncio no seu jornal você não investiga a Nestlé. Porque estamos lamentando que esse modelo está acabando ? Vai com deus, obrigado", disse o jornalista de 39 anos que coordenou pelo The Intercetp Brasil a cobertura "Vaza Jato", que revelou a partir de informações contidas em trocas de mensagens pelo Telegram entre procuradores da Força Tarefa da Lava Jato um conluio para prender adversários políticos, entre eles, o ex-presidente Lula.
"Porque estamos lamentando que esse modelo está acabando ? Vai com deus, obrigado"
No bate papo de 1h20, Demori falou sobre mídia independente, estratégias para sobreviver financeiramente, além, é claro, de Vaza Jato. O jornalista criticou o conservadorismo da mídia tradicional brasileira, muito voltada para o texto, nem sempre fácil de ser compreendido, diante da falta de contexto e linguagem burocrática das reportagens. Tradição que tem sido colocada em xeque pelas novas formas de comunicação, surgidas com as redes sociais.
“Outro ponto é que ela é paga, então, você precisa ter dinheiro e excluir quem não tem. E as pessoas não têm dinheiro. É uma imprensa que, pela escolha das pautas, sempre cobriu as questões a partir do ponto de vista do poder, que é, justamente, o que ela deveria investigar”, ressaltou Demori.
Apesar da liberdade trazida pela mídia independente, muitos profissionais ainda podem encontrar dificuldade em se livrar dos jargões aprendidos durante os anos de profissão. A reflexão é de que termos como “taxa Selic” e “desburocratização”, refletem os interesses de uma classe que, definitivamente, não é a popular.
“Muitos de nós fomos jogados nesses novos veículos, não porque estudou e fez um planejamento estratégico, mas por causa de demissão. Nós ainda temos um caminho pela frente para purificar essa água e desintoxicar nosso meio desse esquema da imprensa, que tem muitas coisas boas, mas é outra linguagem”.
"Nós ainda temos um caminho pela frente para purificar essa água e desintoxicar nosso meio desse esquema da imprensa"
Ainda sobre as novas formas de comunicação trazidas pelas redes sociais, a preocupação é, também, com as notícias falsas. Demori lembrou que a comunicação privada, trazida por aplicativos como whatsapp, é uma linguagem que ainda precisa ser melhor compreendida. Muitos memes e raciocínios prontos, com respostas fáceis para questões complexas, vêm desse novo ambiente onde ninguém precisa se dar ao trabalho de checar as informações ou ser responsabilizado pelo que repassa.
Sobre a Vaza Jato, Leandro Demori disse que a cobertura tornou o veículo mais conhecido. Uma pesquisa da XP estimou que quase 80% da população brasileira já tinha ouvido falar no Intercept, o que surpreendeu a equipe. Para ele, a série de reportagens sobre os bastidores da operação da Lava Jato abriu os olhos do público para uma nova forma de comunicação com o jornalismo independente e de financiamento desses novos veículos.
O editor-executivo do Intercept ressaltou, ainda, a importância do trabalho minucioso da equipe de jornalismo que trabalhou no caso para checar e extrair informações de dados que, para olhos pouco treinados, poderiam parecer aleatórios e pouco importantes.
É possível fidelizar o público?
Uma das estratégias apontadas pelo editor chefe do The Intercept Brasil é entender o público para quem se fala e mostrar o resultado daquilo que foi publicado, como forma de valorização real de um resultado.
“É onde o público enxerga o valor do jornalismo independente e é a partir daí que ele acredita e pode financiar o seu trabalho. É preciso pedir (financiamento), não tem jeito. É preciso dizer que se a pessoa não financiar, não tem site”, analisa.
"É preciso dizer que se a pessoa não financiar, não tem site”
Os custos da independência
Uma das alternativas é o financiamento público, mas Demori ressalta que é preciso entender como essa estratégia vem sendo usada.
“As propagandas da Petrobras, Caixa, Banco do Brasil, são todos financiamentos, mas pra quem?”, questiona, relacionando a democracia com o jornalismo:
“Quanto mais democrático um país, mais imprensa ele tem. Mais ela pode investigar e denunciar, é um sinal da saúde democrática do país”.
Desafios da tecnologia
As mudanças trazidas pela geração high tech são, também, instrumentos nesse novo jornalismo. Bancos de dados de empresas petrolíferas e offshores, por exemplo, podem ser acessados em sites na internet quando, até pouco tempo, esse era o tipo de informação exclusivo de raras e restritas fontes. “
Pra galera jovem que tá assistindo, quero dizer que não há crise nenhuma no jornalismo. Nós somos cada vez mais necessários nesse mundo poluído com tantas informações”, incentiva Demori.
Assista a entrevista com Leandro Demori na íntegra no canal do Youtube da agência Saiba Mais
https://www.youtube.com/watch?v=GjppR7oOsQ4