1
“Nós já somos um ato político em si”. Entrevista com Thabatta Pimenta, única vereadora trans do RN
3 de julho de 2022
16min

00:00
00:00
Ativista pelos direitos das pessoas com deficiência (PCD), radialista e influenciadora, esta é a irmã do Ryan e a primeira mulher trans a ser eleita vereadora no Estado do Rio Grande do Norte, Thabatta Pimenta (PSB). Dona de um sorriso largo, conquistou o carinho e a admiração não apenas da população do seu município, Carnaúba dos Dantas, mas de todo o país. Suas redes sociais contabilizam mais de um milhão e meio de seguidores.
Sua eleição em 2020 se soma a de outras 24 pessoas trans em 22 municípios do país. Apesar de ser um número baixo no universo de 58.208 parlamentares municipais, é considerado um marco histórico. Isso porque, em 2016, de acordo com levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), somente 8 pessoas trans chegaram às casas legislativas. Um aumento de 200%.
A força e o sentido para ter persistido na política, depois de ter enfrentado a violência e o preconceito na disputa pela cadeira de vereadora em 2016, e vencido o conservadorismo na cidade em que nasceu e cresceu, ela encontrou na família, em seus irmãos, especialmente no Ryan, um pintor talentoso que tem paralisia cerebral desde a infância, e no exemplo de coragem e determinação de sua mãe, Maria Aparecida de Medeiros Silva. Ela era técnica de laboratório e trabalhava no Hospital Regional Mariano Coelho, em Currais Novos. Morreu de Covid-19 quatro dias antes de Thabatta tomar posse e se tornar, também, a única representante do estado na frente nacional da comunidade LGBTQIA+.
Apesar de afirmar suas próprias lutas como pessoa LGBTQIA+, a defesa dos direitos das pessoas com deficiência é uma das prioridades do seu mandato na Câmara de Vereadores de Carnaúba dos Dantas. “O que me colocou na política foi os direitos da pessoa com deficiência, já que eu tenho um irmão com deficiência e eu cuido dele desde os doze anos de idade”, revela em entrevista à Agência Saiba Mais.
Depois de ter recebido o reconhecimento, à nível estadual, como detentora de um dos mandatos mais atuantes do Rio Grande do Norte, Thabatta quer mais. Ela é pré-candidata à uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado e seu nome está entre os 20 mais citados na última pesquisa eleitoral Seta (BR-00279/2022 e RN-02313/2022). Na “Semana do Orgulho e Resistência LGBTQIA+”, nós conversamos com Thabatta Pimenta sobre passado, presente e futuro, e sobre os desafios e perspectivas para as eleições de 2022.
- Você é de um município extremamente conservador e machista. Como explicar que a cidade que preferiu Bolsonaro elegeu uma trans para o parlamento municipal?
Então, foi através dessa necessidade, que essa construção me colocou no parlamento.Replicar a importância de estar lutando pelos direitos humanos numa cidade pequena, ou aonde for, é muito necessário.
- Que tipo de ataques sofreu durante a campanha?
Então para uma parlamentar de uma pequena cidade do interior isso significa muito. De alguma forma é o reconhecimento e está sendo replicado tudo que a gente vem fazendo e lutando por Carnaúba e por tantas outras cidades. Porque o meu mandato foi além de Carnaúba, já que hoje eu represento o estado numa frente nacional.O ano passado o nosso mandato foi reconhecido à nível estadual como um dos mandatos mais atuantes do estado do Rio Grande do Norte.
- E agora na Câmara, você é respeitada pelos colegas? Como é ser a única vereadora trans em uma Câmara dominada por homens brancos e conservadores?
Então eles iam ter que me respeitar e eu não ia permitir e não permito que faltem o respeito comigo. Se fosse preciso, ia ser a primeira vez que iam ver uma vereadora presa sim, porque eu sempre estaria correndo atrás dos meus direitos e daqueles que me colocaram ali. Mas é muito sobre isso.eu já cheguei assim me impondo mesmo, dizendo que ali era um corpo trans, travesti, num espaço como aquele, um mandato que foi legitimamente eleito, escolhido pelo povo, na de forma popular e participativa.

- Como tem sido desenvolver seu mandato? O que está enfrentando é aquilo que esperava ou está sendo mais difícil do que imaginava?
E eu, como cheguei como uma militante principalmente dos direitos humanos, é sobre esses direitos humanos que a gente tem que lutar e saber realmente o nosso papel como representante do povo, né? Porque a maioria políticos não sabem.E é sobre isso, quando a gente se coloca num espaço como esse é para representar mesmo o povo de verdade.
- Que projetos em Carnaúba dos Dantas conseguiu aprovar?
Foi um dia bem triste, assim, que eu tentei colocar na cabeça das pessoas o quão é constrangedor não ter o seu nome social respeitado. Mas, no mais, a gente teve muitas vitórias e isso se mostrou como reconhecimento do nosso mandato, principalmente no ano passado.Tivemos muitas vitórias, mas também tivemos derrotas, por exemplo, ao tentar levar a questão do nome social para rede municipal.
E pensar na interiorização das políticas públicas, porque a gente tem que pensar nas pequenas cidades, também.Não só à nível estadual, mas como nacional, a gente vem lutando para pensar na própria comunidade LGBTQIA+ na frente nacional.
- Você já teve dificuldades de encontrar partido que aceitasse a candidatura de uma mulher trans. As estruturas partidárias ainda têm que aprender a conviver com pessoas trans?
Porque os nossos mandatos, além de tudo, é pensado nas causas sociais, porque o povo acha que a gente é uma pessoa LGBT, por exemplo, e a gente chega lá e só pensa na própria comunidade, mas para além disso, a gente como minoria, o que as demais sofrem e a gente se coloca no lugar dessas pessoas.Porque muitos partidos só querem que a gente sirva de esteira pra outros. Então, a gente tem que procurar realmente partidos que nos enxergue, porque com nosso potencial a gente pode fazer pela população como um todo.
- Num contexto de ódio, negacionismo, temos eleições como a tua, que garantem a representatividade nos espaços políticos. Qual a importância de uma política plural, diversa e baseada no respeito às diferenças?
A gente vê em muitas campanhas que sempre aparecem dizendo que são aliados e aliadas da luta como um todo, várias lutas, mas a gente vê que isso não acontece. Então, a gente tem que procurar representantes que sejam pessoas aliadas e que pensem de verdade nessas parcelas da população. Porque a gente também precisa de saúde, de educação, de assistência, de tudo isso. Como todo mundo.Quando a gente é uma minoria mesmo e se coloca de verdade no lugar do outro, a gente pode sim avançar se quiser, porque a maioria desses políticos, que se dizem representantes do povo, quando chegam a esses espaços realmente esquecem quem os colocou ali.
- E mesmo em meio a tanto preconceito você é pré-candidata nas eleições deste ano. Por que agora deputada estadual? Acredita que o teu papel na Câmara Municipal já foi cumprido?
Uma grande rede de apoio pensada em todo mundo, eu vejo assim.O meu desejo é que muito mais mandatos LGBTs, de pessoas trana e travestis cheguem realmente nessas eleições de 2022 a esses lugares, a esses espaços, para nas próximas e próximas eleições a gente poder ter uma maior participação também nos interiores, nas demais cidades, pensar em mandatos que realmente pensem na população.
- Qual o conselho que daria para mulheres trans que gostariam de se candidatar a um mandato político?
É resistir, que a gente já resiste há muito tempo, mas está na hora da gente ocupar sim esses espaços que por muitas vezes nunca chegaram até a gente. É por isso que eu me coloco como pré-candidata pra realmente lutar muito mais por mais pessoas e pensar desde aquela pessoa da zona rural, da pequena cidade, da grande cidade. É lutar de verdade, se colocar no lugar do outro de verdade.Então é por isso que a gente está construindo também esse projeto, é pensado em muito mais pessoas que precisam de voz e vez.
- Fale um pouco sobre sua vida, sua formação, sua opção política e o momento em que resolveu assumir sua condição.
Foi ali que começou a minha carreira política mesmo, até porque o que me colocou na luta política não foi apenas a questão LGBT. Claro que eu tenho as minhas lutas, mas o que me colocou na política foi os direitos da pessoa com deficiência, já que eu tenho um irmão com deficiência e eu cuido dele desde os doze anos de idade. Então a gente vive e viveu na pele sempre os desserviços, a falta de respeito, tantas atrocidades que a pessoa com deficiência vive, além das questões de todas as minorias. É pensar mesmo assim em todas essas pessoas. Foi por isso que eu entrei na política e hoje eu luto por isso, também. A gente tem que ser sempre aliada e aliado de todas as pessoas que realmente precisam de voz. E meu mandato é isso e a gente luta por isso, pra enxergar as pessoas invisibilizadas.Então foi o que aconteceu, através da comunicação e do meu programa de rádio, as pessoas começaram a ver em mim essa voz que podia falar por tanta gente que precisa.
- Você está sempre sorridente. É possível encontrar leveza em meio a tantas lutas?
Até porque onde eu estou hoje foi graças a ela também, que sonhou junto comigo, e sabia que eu seria uma voz atuante por tanta gente já que eu sempre lutei por eles, cuidei deles. Quando eu falo que eu tive oportunidade de trabalho, no mesmo ano que eu tive essa oportunidade eu perdi meu irmão mais velho de infarto. Então já passei por muita coisa, mas o amor da minha família, o apoio, sempre me deu a força que eu preciso e precisava. Principalmente pra o meu irmão hoje, por exemplo, que é acolhido na sociedade. A gente teve uma conquista muito grande também em Carnaúba que foi uma equipe multidisciplinar para pessoas com deficiência na rede estadual, a gente lutou e conseguiu também, e ele é um desses alunos inseridos na educação básica, no ensino médio.Ela faleceu quatro dias antes da minha posse, e eu sofri muito e ainda sofro, mas é um dia após o outro, e quando me sinto triste eu penso muito nela, em tudo que ela me ensinou, pra realmente lutar por mais pessoas.
- A sociedade que a gente vive hoje é uma sociedade transfóbica e isso implica em lugares de privilégios. São lugares que pessoas trans não são esperadas. Nesse contexto, você sente medo?
Eu sei o quão eu preciso estar ali por tantas pessoas. E eu continuarei sendo essa voz aonde eu estiver, seja na própria internet, porque a gente tem esse trabalho nas redes sociais com mais de um milhão e meio de seguidores, seja no parlamento para elevar a nossa mensagem cada vez mais por tanta gente.Mas é por isso que a gente realmente tem que se colocar, não podemos ter medo de lutar, até porque pra que eu estivesse aqui hoje, muitas meninas e meninos trans também morreram.