Filme sobre artista potiguar que pinta corpos femininos participa de mostra nacional
Natal, RN 19 de abr 2024

Filme sobre artista potiguar que pinta corpos femininos participa de mostra nacional

2 de dezembro de 2020
Filme sobre artista potiguar que pinta corpos femininos participa de mostra nacional

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Pintar e fazer fotografias de “mulheres que querem gritar” é a missão assumida pela artista visual e publicitária Luana Cavalcante. Após quatro anos usando tinta para retratar no corpo a história de vida das mais de 300 personagens-quadro, o trabalho dela ganha agora mais visibilidade ao ser apresentado em microfilme na Mostra Imaginários Possíveis, que reúne 22 trabalhados realizados por mulheres ou pessoas que se identificam como mulheres, amadoras e profissionais, de todo o Brasil.

O microfilme “Ser de Luana” pode ser visto no perfil do Instagram, na área de IGTV, do Hysteria, o @hysteriaetc.

A agência Saiba Mais conversou com Luana Cavalcante e Andréa Meireles, produtora de audiovisual responsável por revelar esse trabalho em vídeo e uma das mulheres a tornar-se pintura no vídeo.

Saiba Mais: Luana, conta um pouco da sua história. Como foi essa migração da publicidade para a pintura corporal?

LuAna: Então, eu sou filha de artista plástico e cresci nesse universo artístico. Atuo como como diretora de arte, desde os 17 anos. Sou graduada em publicidade aqui no Brasil e em Design e Artes com ênfase em Antropologia Visual em Coimbra, Portugal. Em 2012, inclui a pintura corporal como parte do processo de meu trabalho. Nos meus estudos,  de artes tinham sempre corpos como referência para a pintura da tela. Então, resolvi desconstruir esse processo utilizando o próprio corpo como tela, para além da referência, utilizando também como conceito a história que a aquele corpo carrega, todos os elementos e significados sintetizados na imagem impressa no corpo. 

Normalmente, o que essas mulheres buscam com a pintura?

Ao longo dos anos na produção desse meu trabalho, percebi duas coisa em comum em todas elas, uma é a coragem de se desnudar para alguém pintar. A outra é que a pintura parece revelar uma beleza que elas não conheciam nelas mesmas.

De 2016 até aqui, LuAna já pintou e fotografou mais de 300 mulheres de lugares diversos do Brasil / Foto: Divulgação "O Ser de LuAna"

Você mesma faz a pintura, fotografia, pensa os desenhos. Como é isso?

O processo todo é na hora. O encontro com elas, o diálogo para que eu consiga capturar o que ela me diz e sintetizar em imagens no croqui, a pintura e a fotografia, toda essa sequência no mesmo dia. O que vem me impactando, pois sigo produzindo mesmo em meio à pandemia, com os devidos cuidados, claro. 

É como as histórias com as suas particulares que na minha cabeça era só parte de um processo criativo pro meu trabalho, como essas histórias acrescentam em mim como ser humano, a quantidade de percepções da vida. Eu me vejo em cada uma delas. Sinto que carrego todas dentro de mim.

E quanto ao filme: como foi o processo de criação? Quem são as mulheres que participam?

Andréa me procurou em 2017, ela conheceu meu trabalho através do meu portfólio no Instagram @oserdeluana. Na época, ela ainda estava nos Estados Unidos e já reservou o seu processo comigo e perguntou se poderia filmá-lo. Perguntou também se poderia acompanhar o trabalho com outra cliente minha. Coincidentemente Mariana também já tinha agenda comigo, e ela é super aberta, aí foi fácil e tudo ocorreu como o esperado.

Conduzi o processo normalmente: sempre em torno de 4 horas, com diálogo para criação do croqui, pintura corporal e ensaio fotográfico. Os anos se passaram e nos mantínhamos sempre em contato. Nos últimos meses, Andréa resolveu editar o filme para inscrever em festivais de cinema. Fizemos uma chamada de vídeo e ela usou minha fala para narrar o filme.

Como anda a procura hoje por esse trabalho? Quanto você cobra?

O valor do trabalho hoje é de R$ 600. Até o final do ano, estou agendando todos os sábados e domingos. Pois estou trabalhando home office como diretora de arte para uma agência de publicidade daqui de Natal, de segunda a sexta.

De todos os trabalhos feitos até hoje, tem algum que te impactou mais?

Acho que quando pintei a minha irmã. Ela disse que nunca faria, pois tinha vergonha. Aí, um dia, do nada, ela disse que queria. Foi bem tranquilo e, no final, ela falou que se sentiu linda :).

A publicitária de designer Lariza Eugênia, irmã de LuAna, também passou pelos pincéis e lentes da artista visual. / Foto: @oserdeluana

Andréa quis descobrir a mulher por trás da obra

A Produtora do filme e uma das mulheres a ter o corpo transformado em arte, Andréa Meireles, fala sobre o processo de conhecer o trabalho de LuAna, buscar saber de quem se tratava e tentar fazer algo com o que descobria.

Agência Saiba Mais: Andréa, você mora fora do Brasil mas veio se pintar aqui, em Natal. Como foi isso?

Andréa Meireles: Eu conheci o trabalho de Luana pelas redes sociais e comecei a acompanhar tudo que ela fazia, porque o projeto “Ser de Luana” me intrigava muito. Em 2017, estava de férias marcadas pro Brasil, e pensei que essa seria a melhor oportunidade de contar a história dessa artista, que lida com tantos tabus: o feminino, a nudez e que questiona padrões. Eu me interessava em conhecer a artista por trás desse trabalho, qual a história dela, o que a motiva, como ela vive disso no Brasil, no cenário conservador e machista do nordeste do Brasil - vale salientar que o país já estava num momento político tenso, em que o processo de vilanização da arte estava ganhando força. Eu pensava: essa mulher dá murro em ponta de faca! 

Em meados de 2017 eu entrei em contato com Luana, expliquei o projeto e ela topou imediatamente. Nós fizemos toda - ou quase toda - a produção por telefone: entrevistas, seleção de quem participaria, onde iríamos gravar. Em dezembro eu fui pra Natal e a conheci no dia seguinte à minha chegada. Houve uma conexão ali. 

E como foi todo o processo de produção e gravação do filme?

O filme foi pensado - na minha ingenuidade de iniciante - para ser um curta metragem de 20 ou 30 minutos. Então depois que conversamos eu quis participar do processo para entender intimamente, não só o trabalho de Luana mas para saber como se sentem as pessoas que são pintadas por ela. A equipe éramos eu e Eric, diretor de fotografia do filme e meu esposo- fazendo o primeiro filme.

Qual o seu propósito com esse trabalho?

Eu queria mostrar o corpo cru, sem artifícios e filtros (cada vez mais raro), eu queria mostrar o processo até chegar à obra final, e isso só foi possível porque tanto Luana como Mariana confiaram na gente.

A Artista visual mantém um perfil no Instagram (@serdeluana) onde exibe o resultado dos trabalhos artísticos.

O quanto é importante para o trabalho estar sendo exibido agora numa mostra nacional e como tem sido a recepção ao filme?

A mostra Imaginários Possíveis, que acontece dentro do festival Cabíria, selecionou 22 microfilmes e “O Ser de Luana” foi o único representante potiguar. Isso me deu uma alegria muito grande de conseguir senão contar a história de Luana, apresentá-la. Em três minutos eu não consigo contar a história que eu planejei em 2017 posso apresentar essa artista, que tem esse projeto lindo, e, quem sabe, despertar o interesse no trabalho dela. Pelo menos esse tem sido o retorno que recebi desde que o filme foi exibido na mostra, as pessoas querem mais, querem saber quem é ela, onde ela tá, como fazem para participar do projeto. Não poderia ter recepção melhor. 

É muito importante a gente se apropriar das nossas histórias, contá-las sob a nossa perspectiva, dentro das nossas experiências, porque, se a gente não conta, vem alguém e faz isso. E conta mal contado, estereotipado, num falar caricato, que não nos representa. Eu quero contar as histórias que eu conheço de um nordeste moderno, vibrante, cheio de talentos como Luana. Festivais como esse, abrem espaço para essas histórias. Permitem que a gente tenha a chance de mudar a narrativa, de se ver representado honestamente e de ter orgulho do que a gente é. Além disso, somente 23% dos filmes de maior bilheteria do mundo têm protagonismo feminino (segundo o Geena Davis Institute), nós precisamos questionar esse desequilíbrio e ocupar espaços.

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