A Intervenção Populista na Segurança Pública
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A Intervenção Populista na Segurança Pública

27 de fevereiro de 2018
A Intervenção Populista na Segurança Pública

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Fosse verdade que, no Brasil, o ano só inicia quando finda o carnaval, poderíamos dizer que o ano começou com a intervenção federal no estado do Rio de Janeiro. De certo modo, o que aconteceu em janeiro foi a continuidade da pauta 2017 (julgamento e condenação sem provas de Lula e governo tentando aprovar a reforma da previdência).

O cenário muda mesmo a partir do carnaval. Até então, o governo pretendia retirar o direito à aposentadoria do povo assim que a festa acabasse. A votação da reforma previdenciária estava anunciada para logo após o feriado carnavalesco, mas o governo não conseguiu os votos necessários para aprová-la.

O que seria a primeira vitória das forças de resistência ao golpe, aparecia junto a um carnaval que mostrou o abismo existente entre o governo e o povo brasileiro. O carnaval do Fora Temer que, junto ao recuo na votação da reforma da previdência, poderia ser a faísca a desencadear uma nova onda de protestos contra o governo e as castas privilegiadas.

Era o governo nas cordas, desmoralizado, com altíssima rejeição popular e dificuldades em concretizar mais um item da sua agenda de imensos retrocessos sociais. Ocorre que essa turma não está no Planalto a passeio, não achou o carnaval divertido e não pensa, nem sequer como fantasia, em dar trégua para a ralé.

Próximo ao pleito eleitoral e sem ter encontrado um candidato competitivo, o governo do golpe decidiu dar um cavalo de pau na agenda nacional. Retomou a ofensiva com uma intervenção militar que não se sustenta tecnicamente, que está sendo criticada pelos mais respeitáveis estudiosos da área da segurança pública, mas que é recheada de símbolos e dialoga, a sua maneira, com um dos temas que mais aflige a população brasileira: a violência.

Seu primeiro mérito (para o governo, claro) foi que a reforma da previdência saiu da pauta como que “ao natural”, sob justificativa da intervenção federal e não pela falta de votos.

Num exercício de genuína demagogia, Temer escolheu o Rio de Janeiro sem qualquer elemento técnico que justificasse a intervenção. O RJ não difere de outros estados que estão com crises de segurança pública iguais ou mais graves. O Atlas da Violência 2017 mostrou pelo menos doze Estados com taxas de homicídio maiores que a do Rio. Entre 2015 e 2016, o Rio teve taxa de 30,3 homicídios por 100 mil habitantes, enquanto o Rio Grande do Norte, por exemplo, teve taxa de 50,2 homicídios por 100 mil habitantes, quase o dobro da média nacional, que foi de 26,2, no período.

O período em que a intervenção foi decretada também não se justifica, já que 16 dos 27 indicadores de violência do Rio recuaram durante o carnaval de 2018, na comparação com o mesmo período de 2017, segundo dados da Secretaria de Segurança. Então por que no Rio, senão por razões exclusivamente políticas?

Somente um governo da natureza do que temos no Palácio do Planalto poderia fazer tamanha pirotecnia com um tema de tanta gravidade para o país. Somente em 2016, de acordo com o Mapa da Violência no Brasil, 61.283 brasileiros e brasileiras foram assassinados. Sete pessoas assassinadas por hora. O equivalente em números às mortes provocadas pela explosão da bomba nuclear que dizimou a cidade de Nagasaki, em 1945, no Japão. Vivemos uma guerra civil, até então não declarada.

Enquanto a mídia empresarial se esforça em tratar a intervenção como um sucesso ou ao menos como um “mal necessário”, a política de ajuste fiscal adotada por Temer desmantela o Estado brasileiro em diversas áreas sociais e da própria segurança pública.

Os efeitos da Emenda Constitucional 95 (teto de gastos ou PEC da morte) no orçamento federal na área da segurança são de uma queda de quase 50% nos valores transferidos aos estados entre 2014 (empenhado) e 2018 (LOA). Com o contingenciamento, as despesas discricionárias do Ministério da Justiça e da Segurança Pública em 2018 estão caindo 36% em relação ao valor empenhado em 2016, ou seja, a agenda ultra neoliberal é um sistemático desinvestimento na já insuficiente segurança pública.

Comparando os valores autorizados na LOA 2018 com a LOA 2014 (discricionárias), há queda de R$ 847 milhões no orçamento do Ministério da Justiça. As maiores perdas, segundo o SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo Federal), são nas seguintes ações:

  • Fortalecimento das Instituições de Segurança Pública (apoio a estados e municípios) – queda de 90%;
  • Política Pública sobre Drogas – queda de 88%;
  • Prevenção à violência e à criminalidade – queda de 89%;
  • Prevenção de Uso e/ou Abuso de Drogas – queda de 62%;
  • Valorização de Profissionais e Operadores de Segurança Pública – queda de 86%;
  • Promoção da Justiça de Transição e da Anistia Política – queda de 96%;
  • Política Nacional de Justiça – queda de 62%

Esses números, embora possam ser enfadonhos, precisam ser divulgados porque um governo que reduz seu orçamento e asfixia os entes federados não pode ser vendido como um governo preocupado com a segurança pública. Ensejaria ser óbvio que a criação, como num passe de mágica, de um Ministério Extraordinário da Segurança Nacional não é mais que uma farsa, um engodo gestado por um governo que nada mais tem para apresentar a população, além da devastadora lembrança da Segurança Nacional pautando a agenda do país.

A segurança tem um apelo fácil. Há muito o medo do povo é explorado contra o próprio povo. Tudo isso com consequências nefastas: aumento da violência contra a população pobre e negra no RJ; homens e mulheres tendo seus rostos e seus RG’s fotografados por homens de rostos cobertos; crianças tendo suas mochilas revistadas por homens armados com fuzis, nos muros de suas escolas; mandados de busca e apreensão coletivos que se aplicam a bairros pobres, numa completa ilegalidade e sem qualquer justificativa.

Na economia política do medo, a cada eleição vemos crescer a bancada da bala, em todos os níveis da federação. A cada dia temos que nos confrontar com uma concepção geral de que os direitos humanos não são para todos os humanos. A depender da “natureza humana” (determinada pela classe social e pela determinação histórica do “natural”) você pode e deve tê-los, ou não.

Como dito pelo professor Eliezer Pacheco (PT/RS), a votação na Câmara, da intervenção no RJ, teve o mérito de definir os campos ideológicos dos partidos ali representados: Esquerda (PT, PCdoB e Psol), Centro (PSB e PDT), Direita (todos os demais). 72 parlamentares disseram não ao apelo fácil e fajuto do “combate à violência”; não à exceção; não à militarização da política.

Às vezes, se perde eleitoralmente e se ganha politicamente. O inverso também ocorre. Os 72 votos contra a intervenção militar, podem marcar o ressurgimento da esquerda no Brasil. Se isolaram numa Câmara desmoralizada, sem credibilidade, mas dialogaram com a sociedade e com a história.

A intervenção decretada na segurança pública do Rio de Janeiro aprofunda a lógica de militarização da segurança pública e terá como único resultado a intensificação da violência de Estado que atinge prioritariamente jovens, negros e moradores de favelas e periferias.

Os juízes já fizeram seu trabalho. Agora, é a vez dos generais. Enquanto isso, os setores médios da sociedade seguem cantando:

“Você merece, você merece

Tudo vai bem, tudo legal”

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